Pequenos trechos do livro para vocês ficarem com água na boca:
[...] Não busco em vós a perfeição, nem a razão máxima das liras desconcertantes do amor sem fim, este de que tanto salpico em minhas falas, este que busco tão desesperadamente. E em mim não busco a aura do sexo imaturo, da noite perfeita, dos “amantes de Veneza”, da virilidade que te possui com força, com ensejo, espasmos, orgasmos, sussurros, sorrisos, bebidas, cigarros, histórias. Eu quero mais do que símbolos na cama, mais do que oráculos na alcova regados com meu sêmen no teu calor. Ouço a vagina tua rugir para minha espada que te rasga com cada estocada, com cada centímetro dos meus nervos, com cada beijo que na tua boca vai matando minha sede de amor, prazer, horror, dor, descaso. Teu perfume é a ventania que entra pela porta entreaberta, teu calor é o sol que brilha dentro das nossas almas nas noites frias. Olho teu vestido jogado no chão, um champanhe pela metade nas taças, uma rosa em cima do travesseiro, suor no rosto abatido, sorriso nos lábios ansiosos, afeto no olhar incontido. Quais palavras caberiam no silêncio de uma madrugada tão serena?
Quando olho teu rosto adormecido e cheio de sonhos desnudos: lembranças, tesões, excitações. Sinto despedaçar-se o chão dos meus pés toda vez que ouço sua voz pedir mais e mais ecoando em mundos que eu nunca me imaginei. Duas crianças adultas brincando de fazer coisas proibidas. Entre um e outro gemido de deleite eu metia impiedoso, cada vez mais distante da decência e marginal de mim, sufocando e empoeirando meus medos. A incitação da luxúria se resume numa sucessão de carícias amedrontadas, onde dois anjos caídos perderam seus escrúpulos por baixo do edredom do motel em uma dessas noites de carnaval. As camisinhas no lixo nos delataram. Entretanto, fizeram nossos olhos cúmplices receberem absolvição dos crimes sentimentais. Quantas vezes fui à tua busca no serviço, com flores nos braços, quantas vezes pegamos chuva voltando do cinema à noitinha de domingo, tomamos sol na praia deserta e fora de temporada, comemos cachorro quente na rua, tomamos café à tardinha numa quarta-feira ou visitamos algum doente no hospital? Inúmeras. Você adormeceu muitas vezes no meu colo enquanto assistíamos à televisão deitados no sofá. Pediu café na cama nos dias que a enfermidade lhe atacou as vísceras ou a indisposição tomou conta de ti nos domingos friorentos do outono. E qual a fórmula desta volúpia altiva, os descrentes me perguntam. Não tem. Simplesmente acontece, com a mágica da convivência, sem receitas e nem prescrições. Se fosse premeditado, seria conveniente demais e perderia a gracilidade. Poderia até dizer que grande parte desta prosopopéia sem sexismos pertence a ti, o meu orgulho declarado.
Contudo, não vim para falar de homens ponderados, nem de mulheres reservadas, tampouco vim até aqui discursar sobre a devassidão e a libertinagem. O mundo vadio não cabe no que meus olhos foram capazes de narrar. Hoje eu resolvi falar para os amores, esses loucos e bonitos, varridos, intransigentes, inconseqüentes. É hora de bailar na calçada, subir nos muros, olhar a lua e dizer para as vozes incrédulas dentro de nós: “qual é o sentido de não querer ir tão longe”? Quantas vezes na fútil realidade dos fatos fomos capazes de dar tanto valor a conjecturas tão corriqueiras, quantas vezes o coração se abateu nas injúrias e permanecemos fortes para não sucumbir por completo? Quantas facas fomos capazes de enfiar na gentil gentileza? Eu brinco com as palavras, como o amor brinca comigo e as imoralidades brincam com corações antes tão racionais. Mas esta afeição enlouquece a sana vontade que rege a compreensão humana e esses amantes são cúmplices dos desejos mais viris. Por mais que nos firamos nos percalços, nunca essas agulhadas da vida foram capazes de romper o desvelo. Vejo então as sombras caminhando no horizonte das nuvens, de mãos dadas, entregues ao sentimento singelo que definha o perverso. A silhueta na escuridão da praia, que seduz meus passos até encontrar pelas memórias a água do mar, é minha carta de alforria; eu, escravo dos versos tristes e dos sexos irremediavelmente estranhos ao que eu primeiramente busquei. Mas todo esforço desmedido teve uma rota e antes que eu me cansasse resolvi dizer meus dizeres, antes que minhas palavras também acabassem.
Peguei meu violão e enquanto dedilhava a canção “Lady” de Kenny Rogers, cantava a vida e os incomensuráveis tons coloridos dos sonhos imortais. Minha alma via todos os casais do mundo ao redor de uma imensa fogueira, abraçados, de olhos fechados, acompanhando baixinho, ouvindo a melodia que da minha boca soava. Mas fui além, minha visão atravessava paredes, vendo brigas, afagos, sexo, traições, estocadas, suores, sonos, solidões. Pude notar o quanto nós humanos somos tristes, frágeis e estúpidos, quantas coisas podemos galgar e destruir, compreender e ignorar, fazer crescer ou deixar ruir. Somos deuses capazes de proezas sobre outros animais, embora, por outro lado somos vermes por achar que algo nos fez superiores para reinar sobre qualquer outra espécie e tragicamente mal conseguimos evitar a nossa própria extinção. É a maldição da tolice para os que se acham mais sábios. Continuei frenético nos acordes, na finura do meu canto, velejando acordado aos devaneios meus. Expropriei-me de certas coisas que nem mesmo as lágrimas tenras produzidas por elas trouxeram a calma ao meu ego melancólico. Mas o vento soprou implacável naquela noite.
-- Oi amor! – uma suave voz sussurrou.
-- Não faça isso... Por favor, eu não... – eu tentei esquivar-me. Mas já era tarde. Um beijo tinha unido nossas bocas secas e sedentas (...).
-----------------------------------------------------------
[...] Amanda sentiu seu primeiro orgasmo aos doze anos quando se masturbava com seus dedinhos de criança. Aos treze perdeu a virgindade com um cara que lhe chupou todos os buracos do corpo. Ela aprendeu errado. Liberdade, libertinagem e devassidão eram palavras que confundiam suas percepções. Aos quatorze já tinha ido pra cama com grande parte dos garotos da cidade. Ela via sua vagina, outrora respeitada, se tornar palco das mais puras perversões. Aos dezoito anos Amanda fez um filmezinho pornô e foi expulsa de casa. Sua vida começou ali. Antes, tudo era divertimento. Agora seu arrependimento e saudade de ninfeta eram apenas lembranças que teimavam em permanecer. Precisava manter-se viva pelo menos. Morrer era fácil longe da ambição e proteção dos pais, bastava virar a esquina em uma madrugada proibida para mulheres.
E sobreviver num mundo que é um câncer carnívoro para quem, ora sabia lutar, ora se escondia nas trevas do passado, era uma tarefa um tanto dolorosa até para os heróis. Principalmente quando as pessoas sabem demais sobre sua vida, ou acham que sabem. Amanda morava num cortiço imundo, podridão certa, reduto de detritos sociais, seu quartinho era bem em frente a uma boca-de-lobo. Em dias de chuva, cheirava esgoto. Em dias de sol cheirava a mijo. “Uma merda” ela pensava toda vez que olhava pela janela. Mas viveu ali muito tempo convivendo com viciados, cachaceiros, prostitutas, mendigos, trombadinhas, cafetões, traficantes, bandidos. Todos eram da mesma laia (...).
-----------------------------------------------------------
[...] Ela estava lá estática com seus sonhos à deriva. Não sabia se era menina ou se, pelo desejo carnal, da sociedade e não pelo seu próprio, se tornaria mais, apenas mais uma puta qualquer. Aquela putinha que os meninos olham atravessar a rua correndo, mergulhada em batons e maquiagens para disfarçar o nu do ego, e que entre eles surgia o sussurro sem-vergonha “eu já comi essa”. Como se ela fosse apenas mais um prato do menu sexual dos restaurantes masculinos. Ele era o homem dos sonhos perfeitos de todas as meninas veneno, que se misturavam ao mundo másculo, apaixonadas pelos mauricinhos dos anos 90 com suas roupas de grife e carros turbinados. Mas e quem era ela? “Apenas mais uma puta se mostrando pras amigas” era o que a maioria deles pensava. Não o era, pois por trás de sua cara borrada e mal pintada havia um coração confuso, uma gata borralheira perdida, que de cima do muro não sabia para que lado pular: o das moralidades que os pais tentavam (em vão) enfiar na sua cabecinha de menina oca e o das liberdades que suas amigas tanto pregavam. A escolha parecendo simples era na verdade uma equação dificílima para encontrar a reposta certa, a saída perfeita. Já ele não era muito esperto e se mostrava bastante imaturo diante dos mais velhos. Nem se incomodava com isso, pois este novo ser conhecia a moda e a metrossexualidade, fazia tipinho para galantear as tietes de plantão que brotavam de uma árvore de bobagens. E fazia muito sucesso.
*******
Ela se arrumara toda. Não demonstraria ser virgem. Queria passar despercebida, não ia sentir dor, nem queria, tentaria não sangrar muito. Levou absorvente na bolsa pra poder fazer teatrinho e enganar ele como enganara seus pais ao sair porta afora. Estava no banheiro do shopping retocando a cor em volta dos seus cílios. Seu rosto era um deserto árido, cheio de perigos e temores. Mas estava decidida, ia “dar” para ele naquele mesmo dia, o homem que “todas” as suas amigas desejavam. Ou que já tinham possuído, mas agora ele era a aposta... E tristemente o troféu a ser levado... Ninguém sabia qual seria o prêmio pela promiscuidade, ou talvez nem existisse mesmo tal medalha humana. Aquela futilidade não passava apenas de um simbolismo improcedente. Era simples assim. Sexo e desapego para uma menina que mal saíra das bonecas e já se achava a mulher perfeita, com suas curvas e suas opiniões desastrosamente formadas. Não teria filhos, não se casaria, moraria com as amigas após os dezoito anos, estudaria numa faculdade e se graduaria em direito, se tornaria a “toda-poderosa” que desde pequena quisera ser algum dia.
*******
Ele estava pronto pra mais uma trepada. Um motelzinho de um amigo esconderia que mais uma menor de idade, não de desejos medrosos, seria corrompida. Um sexozinho sem compromisso para degustar uma carninha nova que rondava o pedaço como se fosse a dona do território. Adolescência febril onde se perderam todos os respeitos e o amor, assim como a compaixão e ao cuidado, o que concerne ao semelhante estava tudo escasso e quase no fim. Os dissabores. Esses estavam em demasia. A bola da vez eram os jovens alienados, levantando seus cartazes em silenciosas multidões dentro de si, enaltecendo: “abaixo os sentimentos”, “não ao amor”. Ele guardara no bolso uma cartela de camisinha, sabia que não usariam todas elas. Era apenas para inflar ainda mais a sua auto-estima exagerada. “Hoje eu vou foder deliciosamente aquela cadelinha”. Metrossexualidade e submissão. Juventude sem limite e violação de conduta. Fetiches então mais decepcionantes que suas realizações. Estava, no meio da selva de pedra, armada a arapuca (...).