sexta-feira, 15 de maio de 2009

O DIVÓRCIO.


Eu sempre tive meus costumes. Podiam ser os mais fúteis, agradáveis ou estranhos. Não importa. Não mais. Acostumamos a ser quem não somos, a gostar de coisas que em geral não gostamos, de fazer coisas pelos outros e não por nós mesmos, de viver vidas que não são nossas. Uma vez minha mãe me disse que pessoas fúteis – normalmente – precisam de grandes doses de prazer para curtos momentos de felicidade. E eu no fundo sabia que aquelas eram as melhores palavras da minha vida. Eu não precisava de grandes goles de sonhos para acreditar numa realidade plenamente possível. Bastava um pouco de risadas, beijos, amores, amigos e logo eu entrava em sintonia com a amplidão. Dizia a grande poetisa Cecília Meireles que a “liberdade é uma palavra que todo sonho humano alimenta.”

Certo. O que estava me assaltando não era a saudade da minha mãe e suas paráfrases, nem o lirismo docemente extemporâneo de minha musa e seu apologético espírito vitorioso do simbolismo, apenas uma dor de cabeça infernal numa tarde de domingo. Levantei nu pra pegar uma aspirina no armário do banheiro. Cássia estava deitada, com seu sexo à mostra, tínhamos acabado de fazer amor, amor numa terra intransponível para os amores. Há dias planejávamos fazer sexo, burlar o cotidiano pelo simples prazer de nos entregar.

E assim, nos amamos na cama, sem dizer uma palavra. Nossas bocas uniram-se para consumação do holocausto. Foi uma colisão entre duas galáxias próximas e distantes paradoxalmente. Sua língua era severa, sem gosto, inanimada, intraduzível. Queria prazer desmedido sem que qualquer diálogo estragasse tudo. Depois de tantos anos ela tinha aprendido a me ganhar, me possuir, me despejar quando não mais quisesse um homem sem apegos.

Eu sabia os motivos dela. Poderíamos ter nos casado na juventude. Todavia, não nos conhecíamos, não éramos amigos, mas de alguma forma o destino sabia onde desaguar sua culpa. Cássia casou-se com um gerente de banco asnático, sem a menor pinta de galã da novela das oito. Nunca tive coragem de perguntar o que ela tinha visto nele. E mesmo que ela tirasse minha dúvida, tenho certeza que alguns de seus dizeres poderiam estragar meu almoço pela quaresma inteira. Alguns aborrecimentos são evitáveis. Principalmente aqueles que nos referem. E ferem.

Nas minhas andanças pela vida também fui grosseiro, peralta, meticuloso, infantil e isso gerou-me dois filhos lindos que eu quase nunca vejo. Eu sou um pai ausente e não preciso que me apontem. Engraçado que adoramos ter ex-sogras e odiamos ter ex-mulheres. Uma contradição, até por que tenho birra por palavras que começam com “ex”. Cássia não era uma ex, nem jamais seria algo perto dessa definição, ela era uma cliente corpóreo-sinestésica, pois tinha facilidade de remexer-se em cima de mim. Ponto final.

Mas, apesar de trilhar caminhos tortuosos desde a epigenesis da puberdade, conheci pessoas que avassalaram meus paradigmas e bagunçaram durante um tempo minha sanidade. Conheci mundos, pessoas, fundos, lugares, sensações, sentimentos, dores. Mas o grande dissabor da vida é querer só se embevecer daquilo que é doce, ignorando a necessidade de um amargo que equilibre.

Olhei no espelho as marcas da linha de expressão. Homens não olham essas coisas, embora, no meu caso não tivesse como não enxergar as rugas que ganhavam o tamanho do oceano atlântico. Sentei na privada e percebi que meu pênis estava duro. Ele queria voltar pro quarto e pedir terceiro tempo no futebol da cópula. Dependia de Cássia, do ânimo oportuno, do estado da nossa psique.

Liguei o chuveiro e tomei um banho longo, demorado, emergencial, algoz, inconcebível. Sequei-me com uma toalha azul anil. Detesto usar toalhas que não sejam brancas. É como se um médico atendesse de preto, não faz sentido, não para certos conceitos que aprendi na infância. Costumes, como eu havia dito antes, meros costumes da educação de casa. Acariciei meu sexo, toquei-o, fiz vibrar os desejos selvagens. Conversei comigo mesmo a respeito da moralidade, do que era, do que representava. Pudor e moral são palavras que assustam caras como eu. Adoro sacanagem, sei que é errado, mas quando se acostuma, vira vício e nada mais passa pelo crivo da consciência.

Depois de uma boa reflexão, olhei o relógio e era hora de fugir. Coloquei a cueca samba-canção, vesti uma camisa e fui pro quarto. Cássia estava acordada assistindo televisão. Parecia mergulhada nas suas idiotices cotidianas. Passei por ela e peguei o resto das minhas roupas no chão ao lado da cômoda. Olhei para a tela da TV pra ver o que a hipnotizava a ponto de ignorar minha presença como se eu fosse um ser espectral. “Como enlouquecer seu homem na cama”. Pronto, fiquei perturbado. “Técnicas de levá-lo ao paraíso e a ir também”. Ok, acabou com o meu dia. O riso da apresentadora me irritou. Será que Cássia queria enlouquecer seu marido e colocar uma pedra no que vivemos? Bobagem. Será que ela estava me amando finalmente e queria me dar o milagre do orgasmo múltiplo? Piada, certamente, piada de mau gosto. Pegue suas coisas e suma, mulheres como Cássia não sabem o que é amor. Já falamos de amor algumas vezes. Que hipocrisia, vocês fizeram dele um deboche. Ora pipocas!

Quando me despedi ela me deu um beijo longo e molhado. Desfitou-me e voltou a assistir. Achei o cúmulo. Em Cássia, os sentimentos eram fagulhas minúsculas, microscópicas, frações de segundo incompreensíveis. A maneira como seus olhos e seus lábios – silenciosamente – falavam comigo era, para as grandes paixões, inofensiva. Eu, pelo contrário, estava esperando um motim de milhões de megatons. E recebia apenas um estalinho besta de um beijo mais besta ainda.

O amor é um fantasma que um dia se materializa, até ficar real como uma estaca. Não, acho impossível, depois de tanto tempo... O farol! A caminho de casa quase colido com outro carro. O cara buzina, me xinga e some na via expressa da Marginal Tietê. Só dá tempo de gesticular um “foi mal”. É, foi mal mesmo. Mais uma vez meus pensamentos têm me castigado, como as chibatadas e os estigmas existenciais dos últimos meses. Certas coisas deveriam ser indizíveis para um cara de meia idade, confuso e solitário como eu. Uma das conjecturas concludentes é a de que dentro de mim existem duas feras que brigam entre si pelo deglute de um irrisório pedaço de carne e sem chegar a um consenso.

Esqueçamos isso por um tempo. Quero falar de Elisabeth, a secretária do meu ex-patrão. Essa é realmente uma puta. Nunca conheci mulher mais ardilosa. Nosso último chefe era jovial, bonito, de boa índole, seminarista em potencial (é, também me causou espanto), com uma inteligência inacessível. Acho que foi o único que ela não seduziu. Beth tinha doze anos de empresa, conheceu todos os executivos e suas respectivas alcovas. Ela não conhecia a profundidade de certos acontecimentos, mas era arguta na percepção do desenrolar das tramas corporativas. Meus amigos, eu sempre acreditei que a terceira grande guerra começaria dentro do mundo das corporações, sindicatos, das incontáveis repartições.

Elisabeth me chamou em sua sala no fim do expediente, desejando maiores explanações sobre um memorando. Era uma calorenta sexta-feira de verão. Também véspera de ano novo. Eu queria mais era que o memorando se danasse, minha vontade era de rasgar a gravata, encher a cara no primeiro botequim e passar os próximos dias me embolando nas noitadas com qualquer rapariga que quisesse. Mas oh! Maldito memorando que me caluniava a idéia.

Quando entrei na sala, Elisabeth pediu que eu encostasse a porta e passasse a chave. Pela primeira vez fiquei com medo de uma mulher (segunda, na verdade, a primeira foi quando minha mãe me esperou no portão depois da reclamação de um vizinho sobre umas janelas quebradas com uma bola). Ela estava linda, com seus cachos dourados e sua boca brilhosa de um batom incandescente. Beth beirava os quarenta anos e continuava belíssima. Ao me aproximar da mesa percebi que ela estava abrindo a blusa. Olhei para trás. Virei. Esfreguei os olhos. Era uma tentação irresoluta, em cinco minutos Beth estava nua à minha frente e abrindo meu zíper. Senti sua língua invadindo minha boca e suas mãos dentro da minha calça. Não era novela, nem filme, nem livro de romance. Eu estava me dando bem, recebendo uma promoçãozinha naquele emprego imbecil.

Na primeira investida - em que me precipitei para o meio de suas coxas - ela gemeu pedindo mais, com mais força. Cada estocada me lembrava das penosas horas extras nos fins de semana. Cada salivação minha em seus lábios era o direito pago por cada ofício recusado. As cadências das minhas mãos – entre se apoiar na mesa e sentir os seios fartos de Beth – perpetuavam a vingança por cada dia miserável naquele cubículo abafado. Meus dias tomariam um gosto doce depois de alguns anos naquela pocilga. Desforrei com tudo que pude, numa satisfação pessoal inenarrável. Quando ejaculei, um pouco derramou entre suas pernas grossas. Não pude ver, apenas senti o jato quente, escorrendo, pois minha cabeça estava enterrada no meio das suas pomposas glândulas mamárias.

E desde então ficávamos a sós, primeiro às sextas e depois em qualquer dia da semana. Aprendi tudo sobre o mundo do capital, as especulações, o dinheiro, as podridões dos barões empresariais. Ela me contava tudo, sem ocultar qualquer detalhe.

Graças a Beth eu finalmente subi de cargo e entendi porque a esmagadora maioria dos funcionários viviam imersos em problemas emocionais e no estresse do dia-a-dia sem perspectiva do futuro. Contudo, eu estava imune, intocável, protegido. E tinha ao meu lado a mulher mais deliciosa do mundo, do meu mundinho particular.

Por que não nos casamos? Vejamos. Depois de um tempo percebi que além de mim, quando ela queria alguma coisa de alguém era só conseguir através da sexualidade. É nela que as pessoas ainda versam, se dobram e se corrompem. Elisabeth tinha inúmeros homens (paus) à disposição e eu era só um estepe. Factualmente, “O Lobo da Estepe” de Hermann Hesse e ela nem tinha se dado conta da analogia nessas entrelinhas. Comecei a me sentir incomodado pela falta de exclusividade, pelos bolos que tomei e não foram poucos. E mais, a maior desgraça de um machista é não ter noção de onde está sua fêmea, sua presa, sua frágil escrava. Elisabeth era esperta e nunca me deixou entrar de fato em sua vida. O sexismo imperava na estranha relação.

Acabei dando-lhe um duro golpe baixo, pedindo-a em casamento para fins sensualmente lucrativos. Entretanto, para tal, consegui algumas de suas fotos com um alto executivo. Ela nem pestanejou, aceitou prontamente depois de chorar por horas trancada no banheiro do restaurante. Eu estava impassível e fiz minhas exigências. A chantagem era por uma boa causa, afinal, pretendia tirá-la da devassidão e do vazio que envenenava seu ego.

Na semana em que íamos nos casar surgiu o dilema de que a vagabunda estava saindo com um antigo chefe. Desmanchei nosso trato e mandei a foto para todos os e-mails da empresa, de todos os funcionários, diretores, executivos, presidentes, todos, sem exceção. Dias depois era uma febre, até o tiozinho da barraca de milho queria tirar uma casquinha quando chegou uma fotocópia em suas mãos. Elisabeth foi demitida e eu também. Óbvio. Nunca mais nos falamos e como não havia nenhuma forma de incriminação contra a minha pessoa, eu saí ileso, aliás, quase ileso.

Meses depois consegui arrumar emprego na concorrência, pela simples propagação da notícia das fotos que girou o planeta. Eu era um herói e não sabia. No quarto dia no novo empreendimento de trabalho esbarrei no corredor adivinham com quem? Ela mesmo. Elisabeth. Quase fui tragado pelo pavor daquele olhar de cólera. Mas, calmamente, voltei para minha sala e pedi um café. Agora eu era o poderoso chefão. Beth e eu transávamos toda sexta-feira como fazíamos antes. E o casamento? Foi pro vinagre. Nosso lance era só sexo mesmo.

Jaqueline foi outra paixão rápida de férias. Daquelas que não sobem a serra, depois de dias tomando sol, banho de mar e água de coco. No último dia mergulhamos juntos, nus, afastados da bagunça dos praieiros. Ela pulava no meu colo como uma cowgirl e sabia cavalgar sobre meu tesão. Minhas costas doíam quando a pressão da água e os movimentos me jogavam contra o muro de pedras. Jaqueline tinha seios pequenos e os bicos fininhos. Chupei tanto que quase tive que inflá-los de novo (o que não seria uma má idéia). Minha língua invadiu também a vulva, o clitóris, os lábios vaginais e toda sua anatomia de menina, de meninice. Foi muito bom. Quando a viagem acabou, também findou “o sonho de uma noite de verão” sem os seres élficos e os deuses mitológicos. E a vida seguiu furtiva.

A pequena me ligou algumas vezes fora de temporada. Marcamos e desmarcamos encontros. Transamos duas esporádicas vezes e frequentamos baladas. Ela era mais nova e seus amigos não compactuavam com idéias que me seduziam. Descobri uma chata de galocha, pegajosa e ciumenta. Odiava quando eu maldizia sobre seus amigos e nunca me defendia nos escárnios deles. O único que me deixava alegre era um cara – da minha idade – que dividia o mesmo pensamento sobre as novas adolescências. Embora Jaque e eu termos nos entendido bem no sexo, não tivemos nenhuma afinidade posterior o suficiente para nos unir em matrimônio e finalmente – depois de idas e vindas – rompemos.

Rolaram muitos outros flertes em minha vida. Alguns importantes, outros nem tanto, mas a sensação que se impregnou em mim foi a de que vivi todos os momentos de forma plena e intensa. Lembro-me de uma garota que transei no (antigo) teleférico do playcenter em São Paulo numa das "noites de terror". Foi incrível, ela era de um colégio interno de freiras, uma confraria, eu acho. Uma safada de mão cheia. Sabem o nome dela? Pois eu não sei, apesar de me recordar que, da maneira como suas amigas a chamavam, sua flexão nominativa parecia a de uma filósofa grega. Daí talvez o motivo d’eu não conseguir guardar “sua graça”. Pesquisem sobre o berço do pensamento filosófico, saberão do que estou falando.

Voltemos para o histórico de Cássia, de como viemos a nos esbarrar através da tênue linha do destino. Não sou adepto da moralidade exacerbada e também não me enquadro no pedantismo dos maus princípios. Em suma: fico entre a cruz e a espada, segurando a minha lata de cerveja reflexivo.

Quando saí tarde naquela quinta-feira, havia sido por causa de mais uma trepada corriqueira com Elisabeth. Sexo sempre é bom, só que minha secretária já estava cansando minha libido. E eu estava disposto a dispensar seus serviços. Não iria mandá-la embora e sim trocá-la de setor. Daí para escapulir da megera sem magoá-la seria fácil, muito fácil.

Enquanto trancava o portão do estacionamento, virei meu pulso e dei uma olhadela no relógio. Já passava da meia noite. Beth havia tomado um táxi porque tinha pressa. Antes de entrar no carro, observei no fim da rua um bar muito frequentado aos finais de semana. Desci a pé e fui beber meu chopp rotineiro antes de ir. Pedi uns petiscos de camarão e sentei numa mesa perto da entrada do boteco.

Cássia carregava uma jarra de vinho quando passou por mim e tropeçou, caindo. Levantei de súbito. Porra, justo na camisa nova! Eu havia ficado bravo, realmente bravo. E mais irritado fiquei quando ela ainda retrucou que a culpa era minha. Discutimos feio. Deu até polícia. Na delegacia descobri que Cássia era mulher de um ex-funcionário que eu havia demitido por insubordinação e rendimento improdutivo, e também que o sujeito ao sair do emprego acabou tornando-se gerente de um banco promissor. Justamente o banco que financiava os projetos da empresa que eu administrava. Passou a tornar-se comum nossos encontros nas festas de fim de ano e comemorações dos executivos. O incidente da camisa acabou virando apenas um evento episódico e tempos depois foi esquecido. Cássia, em contrapartida, continuava a alimentar por mim um ódio gratuito e infundado. Até o dia em que ficamos a sós depois de uma reunião no salão nobre da prefeitura. Trocamos experiências de vida parecidas e as deliciosas coincidências foram eclodindo. Um ano depois já éramos amigos íntimos, íntimos demais.

Alheios aos perigos sociais e profissionais que espreitavam, nós passamos a nos encontrar para os sexos descompromissados. Durante um longo período isso foi bom. Só que num certo dia deixei escapar – entre uma estocada e outra – que a amava. A reação dela foi calar-se e daí em diante nossas relações foram ficando cada vez mais inumanas, taciturnas e mecânicas. Descobri sobre a fraqueza de um homem numa incomensurável terra de gigantes: a interpessoalidade.

Cheguei ao prédio pela noite, depois do beijo congelado de Cássia naquele domingo. Gelado pra você seu trouxa, embaixo dela estava quentinho. Guardei o carro na garagem e esperei em eternos minutos o elevador. Eu odiava imaginar que depois de anos a fio juntos nossos encontros eram gotas fervorosas num oceano de emoções gélidas. Acredite seu tolo, essa é sua vida, a que você escolheu e ela não é sua esposa, pertence ao colo de outrem. Os castigos que minha mente impunha eram paulatinamente dolorosos na solidão. Dolorosos? Acostume-se ao sabor da vilania. Entrei no apartamento lúgubre, vazio e respirei a melancolia da rejeição. Tirei do bolso a aliança que havia comprado e a repousei calmamente sob a mesa da cozinha. Perdedor! Foi muito triste saber que Cássia não iria mais se divorciar pra ficar comigo.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Prelúdios - intensos para os desmemoriados do amor (Hilda Hilst).


I
Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
(...)

terça-feira, 14 de abril de 2009

UM ESTRANHO CASO DE INCESTO!


Eu sempre desejei a minha irmã. Isso é um fato. Não sei se todos os homens já desejaram suas irmãs, mas eu desejei a minha fervorosamente e desde a infância achara isso normal, completamente habitual.

Nunca nos tocamos na adolescência, mas meu ciúme aumentava cada vez que a via com um namoradinho novo. Por dentro era como se eu morresse aos poucos. No banho eu me masturbava pensando nela, querendo-a nua, em cima de mim, cavalgando como uma ninfeta, como a uma puta. Meros sonhos.

Com o tempo, a maturidade veio chegando e o desejo pela minha irmã foi diminuindo. Percebi o quanto aquilo que eu sentia se mostrava errado, pecaminoso, infausto. E assim fui esquecendo aos poucos aquela loucura.

Porém, num certo dia, eu estava em casa assistindo um clássico de domingo: São Paulo e Corinthians. Como nos finais de semana não era incomum minha solidão na residência triste dos Ferreiras, não me importei com minha aparência e fiquei apenas de cueca e camiseta. Diga-se de passagem uma cuecazinha até bem surrada. Mas eu estava só e não tinha que me preocupar. Durante o intervalo do jogo minha irmã chegou da casa do namorado e ao me ver naquele estado lastimável riu e perguntou o que eu fazia. Virei as costas ignorando a risada e respondi que assistia o jogo de futebol na TV. Minha querida maninha então disse que tomaria um banho e assistiria comigo o segundo tempo da partida, era a decisão da taça libertadores da américa e ela adorava. Achei que seria bom ter companhia naquele domingão.

Quando o apresentador iniciou a narração do combate, Ana saiu correndo do banheiro e sentou-se do meu lado. De toalha. Isso mesmo meus amigos! De toalha! E que pernas lindas, bronzeadas, seios bicudos, pontiagudos, enfim, um tesão! Meus desejos adolescentes retornaram como um furioso mar de ressaca. Voltaram meus anseios e meus medos, as mágoas das minhas frustrações. Mas naquele momento eu era um homem maduro e adulto e tive a atitude mais emergencial, prudente, correta e altruísta que pude. Pensei: “hoje eu vou te comer caraio!”.

Ana notou que eu estava inquieto, me remexendo no sofá. Eu não estava assim à toa, tentava, como os jogadores no campo, uma melhor posição para o ataque. Tentava enxergar mais de perto aqueles seios deliciosos enquanto olhava suas pernas cruzadas. Meu pau resmungava dentro da cueca querendo sair e dar uma espetada naquele bucetão escancarado por baixo da toalha.

Não resisti muito tempo e logo agarrei minha irmã e dei-lhe o beijo mais longo da minha vida. Ela não retribuiu imediatamente, aliás, Ana correu para o quarto chorosa. Comecei a bater na porta e pedir-lhe desculpas. De tanto insistir, ela acabou abrindo e me olhou por uma fresta. Disse injúrias e se trancou novamente. Seu olhar me dizia algo extremamente profundo e de certa forma filosófico: “seu filho da puta”.

Horas depois eu tinha tomado banho pra sair de balada. Tá, vou abrir um parêntese aqui e responder de forma bem sucinta o que vocês desejam saber em miúdos. E é isso mesmo, eu pretendia escapulir do incidente, pois havia em mim uma certeza hedionda de que tinha feito merda.

Contudo, minha decepção era evidente. A impulsividade tinha me afastado dolorosamente da minha querida irmã. Mas eu sabia de quem era a culpa e jamais poderia vingar-me, senão de meu próprio pinto. Fiquei com vontade de punhetá-lo até a morte. Quer destruir a alma de um homem? Tire dele o amor. Mas se realmente desejar-lhe a desgraça plena, arranque seu símbolo fálico, sua masculinidade, o que de mais precioso está entre suas pernas. Será como ruir todos os sentidos da sua realidade, porque afinal se ele não tiver um cacete, o mundo não terá mais onde girar em volta. Seu cedro das paixões é também seu ponto fraco.

Por outro lado, algo curioso aconteceu depois do desastroso episódio no sofá. Eis que quando chego em casa, por volta das duas da madrugada, Ana está sentada na sala assistindo televisão. Eu apenas disse o "oi" mais sem graça do universo e fui me deitar, não queria mais confusão. Na minha cabeça todos os fantasmas da infância me assombravam.

Acordei de repente com uma sensação estranha, como se alguém tivesse me dado um beijo. Quando recobrei totalmente do sono, Ana procurou minha boca enquanto acariciava meu pau por dentro do meu short. Não tive dúvidas. Beijei-a vorazmente enquanto dizia que a amava. Ana desceu por baixo das cobertas e engoliu deliciosamente minha rôla, de quebra chupando minhas bolas. Eu viajava com aquela língua deliciosa que mamava o jererê. Coloquei de lado a calcinha de Ana e atolei dois dedos. Ela gemeu alto. Nossos lábios se encontraram de novo, dessa vez subjulgados, criminosos, incontestáveis.

Parecíamos amantes das mil e uma noites. Chupei-a como nunca antes, como nunca o fizera com mulher nenhuma. Aliás, a única mulher que tentei fazer sexo oral tinha tanto pelo que quase precisei abrir caminho com um cortador de grama. Ana não, ela era cheirosa, limpinha, pequena, doce, rosada. Para mim era a melhor das melhores.

Suas mãos me arranhavam, sua boca me mordia. No auge da paixão deixei seu corpo na posição de muçulmano ao pôr do sol: com o cu pra cima. Enterrei minha vara dentro dela e quase desfaleci com a maciez e viscosidade. Estoquei com calma e depois fui aumentando o ritmo. Eu me senti o MC CRÉU na velocidade cinco. De quando em quando beijava suas costas, puxava seus cabelos, batia-lhe na bunda. Eu ia explodir dentro de Ana, quando ela me pediu que gozasse em sua face, queria sentir-me e acima de tudo o gosto que tinha meu corpo. Não hesitei nem por um segundo. Fechei os olhos e esperei que saísse de dentro de mim tudo que havia desejado há anos. Mas a sensação estranha me tomou novamente quando Ana simplesmente levantou-se e começou a lamber meu nariz. Pulei da cama assustado, era manhã de segunda-feira.

-- Porra belinha... FÉLA DUMA ÉGUA! Sai da minha cama sua cadela dos infernos! SAI!

Belinha era uma pitoresca fêmea de poodle engraçadíssima (mas não muito) que minha irmã tinha ganhado de presente do namorado. Aquela foi a relação sexual mais próxima que tive com Ana, personificada através de sua cachorra. Belinha era, como dizia meu pai, uma ninfeta canina. Só não me perguntem o porquê, a única coisa que se poderia saber era que meu querido pai tinha um medo pavoroso da putinha canídea e eu também depois daquele trauma. Mas, como diria Fernando Pessoa na atual conjuntura, tudo vale a pena quando a “cama” não é pequena.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O Irrefutável Medo das Solidões


Eu senti medo, um medo sumário, corrosivo, deliberado, assumido. Mas aquele medo era ao contrário, estranho a uma maré em direção oposta e de certa forma, subjetivo. Tive medo quando acordei ao seu lado, vendo sua silhueta nua e a sonolência do breve momento em que comecei a me dar conta do que era o amor. E não era nada daquilo que eu pensava. A filosofia podia explicar qualquer coisa sobre os sentimentos mais fecundos que um homem pode sentir ao longo da sua vida infértil. A psique humana pode discursar sobre as violentas paixões da vida. Mas aquele instante era meu, só meu e de mais ninguém. Eu estava a sós com a minha alma e os meus receios.

Ela tinha os cabelos claros, não naturais. Olhos fundos, tristonhos, jovialidade abatida por motivos que já nem sei. A cabeça que repousava em meus ombros não queria apenas companhia, sexo, beijos, carícias. Ela desejava ser admirada, contemplada, salva por algum herói que a tirasse das ciladas mundanas. E eu estava ali perplexo, estático, inseguro, notadamente tocado por uma mulher linda que precisava de colo. O mundo desabou sobre mim, sobre um ser que achava que os amores eram presságios das tragédias. Eu sabia que sabor e dissabor, alegria e dor, coisas antagônicas andavam na mesma linha esperando pra se chocar em alguma oportunidade.

A sociedade é toda pautada nessas idiotices, insígnias e por isso impérios romperam com o seu tempo, a ordem cronológica da formação do mundo foi calculada pela ditadura das coisas, pelo declínio de nações, por erros de julgamento de nossos predecessores. O planeta é o filho pródigo de si mesmo, produtor de sua reprodução, evolução e destruição. E mesmo me achando o cara que sabia demais, que conseguia arquitetar fugas de lugares e situações inescapáveis era o momento patético em que eu estava abraçado a uma balzaquiana linda, cheia de tabus e anseios, completamente entregue ao que, para mim, antes faria definhar o mais impenetrável. Meu coração sempre fora inacessível e de repente eu estava fragilmente acorrentado a ele e aos seus cavalos selvagens. Aquela era uma prisão em que não haveria nenhuma saída estratégica.

Eu a amei desde então. Fizemos amor no segundo encontro e quebramos todos os paradigmas. Quando acordei, ali me senti só. Tive a sensação de que meus medos tinham voltado para me assombrar. Ela ainda dormia de bruços, estávamos nus, mergulhados no desconhecido e profundo mar de nossos espíritos. Daí, passei a imaginar se algum dia eu simplesmente acordasse, no meio da noite, durante uma tempestade e ao meu lado pairasse apenas o cheiro de alguém que já tinha partido. Ou se descobrisse que tudo não passou de um sonho e a realidade fosse mera crueza da solidão.

Peguei minhas roupas, um guardachuva e saí. Fui até a padaria, pedi um café e acendi um cigarro. Pedi alguns pães e no caminho de volta comprei uma rosa de um ambulante. Quando girei a chave da porta respirei fundo, coração acelerado. Senti o gosto do ar, das gotas que cintilavam do céu e beijavam minha boca, bebi sensações implacáveis e finalmente, com exímia coragem, entrei. Coloquei as chaves sobre a mesa junto com o pacote que carregava. Desabotoei a camisa e sacudi os ombros molhados. Preparei um chocolate quente e recheei o pão com iguarias naturais. Posicionei tudo metodicamente numa bandeja com iogurte e algumas frutas. Não importa o quão grosso e inseguro eu fosse, teria ao menos que ser digno, cavalheiro, educado. Contudo, não deu tempo nem de chegar à entrada do quarto.

Ela despediu-se, ao fim silencioso do estratagema. Estava arrumada, exuberante, decidida. Recusou minha intenção, esquivou-se da conversa, das perguntas, apenas saiu. Que me coloquem na lista dos chacais, mas naquela noite nos amamos fervorosos, equivocados, avassaladores. Amor de mais um final de semana, amor que se conta no relógio, amor que não se entende, apenas se ama na fúria de coisas que parecem nos impelir ao belo. Era um começo de semana torrencial em todos os sentidos possíveis imagináveis. Parei no farol. “Fofo” ela disse antes de sair. “Dane-se” eu pensei quando a porta se fechou. Todas as segundas feiras eram iguais há pelo menos uns quinze anos. Para mim tudo bem, o medo das solidões se dissipava. Eu já tinha me habituado com as inúmeras personalidades geniosas da minha esposa.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Julia... Você aceita se casar comigo?




-- Você tem cigarro?
-- Tenho sim. Tá na minha bolsa, o isqueiro também.

Julia não se importava com mais nada, aquele era um momento para extravasar. Estava no fim do semestre e no ano seguinte ninguém mais se veria, pois era também o fim do curso. Três anos de faculdade de sociologia, duas dependências em metodologia de pesquisa científica e estágio, inúmeras festas. Ela imaginava que tinham sido seus anos de libertação, fora dos seios dos pais ela transou, participou de orgias, arrumou namorado, traiu, foi traída, viajou por lugares desconhecidos, descobriu a maconha, o porre, as badaladas raves, os movimentos sociais, os motins contra a polícia e a repressão. E olha que ela saíra de casa com um sonho comum na cabeça: terminar sua tão sonhada universidade e ganhar o mundo, a fama entre os intelectuais, rios de dinheiro. Nada disso. O mundo era cruel e depois de três anos ela estava pronta pra reagir, mostrar que seu ídolo não estava morto. Karl Marx. Um dia, sem querer, ao assistir o filme “Olga” na sala de aula Julia deixou escapar:

-- Eu queria ter sido ela.

Todos riram. Aquelas palavras pareciam ter saído de uma criança que assistia um desenho de super herói. Seria uma lembrança e tanto. Ela que achava que o ápice da sua juventude fora o colégio, as brincadeiras, os meninos que ficavam colocando espelhinho grudado no sapato pra ver a calcinha das meninas que iam de saia pra escola. Não, aquilo era muito mais, Julia tinha vivido uma história realmente intensa, tinha desnudado o véu da mentira sobre o sexo com amor. Não havia nada além e aquém, era factual sentir prazer e depois esquecer.


-- Toma. - ela lhe entregara o maço e o isqueiro.
-- Obrigado Ju. – agradeceu Rick, seu colega de sala.

Foram amigos durante muito tempo. Jamais se envolveram, pois ele era chato, metódico, centrado naquilo que estava estudando. Quase não participava das festas e das viagens. Rick era da mansa paz, enquanto Julia preferia a paz armada. Naquela sala a hipocrisia era tão escancarada que parecia uma piada de mau gosto. Todos falavam mal de Rick, mas pediam cola nas semanas de prova. De quando em quando - para desencargo de consciência - ela o defendia em vão em meio às piadas maldosas. E ele, contudo, passava as respostas, socializava, suava frio, no fim fazia a prova de quase todo mundo. Julia sentia pena, mas se deixava levar pela maré de convites infaustos e no último ano esqueceu-o completamente. Lembrava dele quando precisava entregar trabalho atrasado e Rick nunca se recusava, nem pestanejava, aliás, nunca deu um pio.

Na primeira orgia Julia se sentiu desconfortável. No apartamento de um dos meninos, que ela nunca sabia quem era, eles destinavam um dos quartos para ambientar o inferninho onde os casais transavam. Julia entrou primeiro, não sabia quantos homens haveriam ali – nem quem eram – apenas tateou a parede e sentou-se numa poltrona. Uma voz feminina de fora ordenou que ela tirasse a roupa – em cinco minutos. Entraram em seguida três dos caras da sala que organizaram a surubada, ela os tocou e sentiu que estavam nus, rijos, tomados de tesão. Não houve tempo para recusa, Julia começou a chupar um deles enquanto os outros dois chupavam seus peitos e acariciavam sua boceta. Ela nunca tinha chupado ninguém, se esforçava, lambia, o gosto parecia ruim talvez pela situação e pelo cheiro de muitas porras diferentes naquele quarto. Dava náuseas, Julia queria parar, tentou afastar um que lhe estocava com força, mas era inútil. Só deu tempo de escapulir quando dois deles haviam gozado. Ela saiu correndo e foi pra casa. Tomou um banho enquanto se esfregava querendo trazer de volta a menina recatada e birrenta que fora antes. Tarde demais. Seu nome rolava na sala de aula, todos queriam comer a ninfetinha que fazia oral como ninguém. Dali em diante, pouco importava o que sentia, sexo era sexo, bom sexo, muito pinto, prazer, orgasmo, gozo e falta de doçura. Julia era uma puta e das melhores, tinha perdido a noção do que era pudor.

Rick continuava com sua vida estranha e medíocre. Enquanto Julia se embolava no palco perverso da libertinagem com o resto do mundo. Risos por fora e angústias por dentro. Durante os três anos coisas aconteciam, merdas sempre aconteciam, como o dia em que ao ir à casa de Rick, esperançosa de que ele a recolocasse no caminho certo ou lhe desse uma luz de clarividência sobre suas decisões, revelou a Julia um homem sádico, em que o pai era dono de bordel e o filho seria o grande sucessor que explorava mulheres sem sorte.

-- Trabalhe pra mim.
-- Nunca, nunca e nunca! Seu pulha!

Os dois ficaram um semestre sem se falar. Mas a culpa não era de Rick, era dela mesma, afinal ninguém pode ter uma impressão sobre o que somos sem antes observar o que fazemos. A sociedade é assim, julga pelo que se faz e não pelo que se é. E cá entre nós amigos, Julia sabia fazer muito bem e fazia bem gostoso.

Na penúltima semana de aula Julia estava quase em prantos acusando um e outro pelas suas notas baixas. O calor das últimas avaliações e o fim do curso era tão esperado que não houve nenhuma comoção por parte dos colegas ante o desespero da pobre coitada. Seu último recurso foi apelar para o tempo que lhe restava.

Naquela sexta-feira que precedia as provas da semana seguinte, também véspera da entrada do mês gelado de julho – a estiagem chegara dias antes do normal – Julia estava enfurnada na biblioteca com uma pilha de livros na mesa e seu casaco pendurado na cadeira.

-- Oi Ju, não vai com a gente pro bar?
-- Hoje não dá, tenho que estudar.
-- Você estudando? Que piada! – alguns riram alto chamando atenção.
-- Eu não posso ficar em nenhuma matéria porque senão reprovo por causa das depês que tenho do semestre passado.
-- Má que zica hein!
-- Pois é. Agora dá licença Amanda.
-- Porque você não pede pro Rick fazer seus trabalhos? Ele sempre fez ué!
-- Não acho justo, eu quero passar sozinha nesse semestre, mereço isso pelo menos no último do curso né?
-- Acho que você anda fumando maconha estragada.

Amanda saiu rindo com os outros colegas. Julia sabia que era mentira, ela não queria passar sozinha, só não queria que os outros soubessem que estava brigada com Rick e que fora literalmente chamada de prostituta por ele. Era questão de honra.

-- Oi. – alguém se aproximou.
-- Olha aqui, eu tô estudando não tá vendo? – Julia respondeu grosseiramente e depois ficou arrependida por ver que era Rick.
-- Não quero atrapalhar, só vim te entregar isso. – ele colocou educadamente na mesa um pacote volumoso.
-- E eu posso saber o que é “isso”?
-- São todos os trabalhos desse semestre. Você só terá que digitar e...
-- Não quero, pode levar de volta. – disse ela afastando o pacote.
-- Por que não?
-- Eu quero passar nas provas sozinha, sem ajuda de ninguém.
-- Não estou te ajudando. Esses trabalhos são meus, são rascunhos, pode usar. Se você ficar de depê de novo eu também fico. Quero fazer isso... Preciso fazer...
-- Não precisa não. Se tu acha que pode se redimir por causa desses...

Rick beijou-a. Invadiu sua boca com uma língua quente, macia, voraz, poderosa. Era como se ela pudesse sentir sua alma e seu corpo possuindo-a. Foi uma acontecimento estranho e mágico. Um presente divino. Ele saiu correndo da biblioteca e sumiu pelos corredores. Julia estava tão horrorizada e espantada com a coragem dele que apenas passou a mão na boca e fechou os olhos. Depois ela sorriu e começou a ler os papéis rasurados da encomenda.

Na semana seguinte as provas foram as mais difíceis, mas Julia estava animada, contente, preparada pro que desse e viesse. Rick passou a semana inteira calado, terminava sua prova e saía cada vez mais rápido, mais fugaz, como se a polícia estivesse no seu encalço. Julia não entendia. Queria agradecer-lhe, abraçar aquele homem tão especial, pedir que a beijasse daquele jeito novamente. E até o fim da semana foi assim, concentração, expiação e fuga.

No último dia o frio arrebatou todas as salas mal planejadas da instituição. Ventava como se o mundo fosse cair. Era o dia de apresentação dos trabalhos de conclusão, das monografias. O grupo de Julia foi o penúltimo. Rick não tinha comparecido, sua cadeira estava vazia e misteriosa, todos comentavam que a ausência poderia lhe custar um semestre. Ninguém do grupo dele estava presente. Se aquilo fosse um capricho, era burrice demais.

-- Bom... O grupo dez vai ficar sem nota...

Antes que o professor terminasse a frase, Rick entrou com o resto dos integrantes e postou-se diante da lousa olhando para os colegas atônitos. O trabalho encadernado repousava na mesa de Genival, o orientador da disciplina. A argumentação do grupo foi uma das mais longas com expressivos discursos, explicações, gráficos e Rick finalizou com a frase de um filósofo.

-- E eu aprendi que o amor e a caridade são as fontes da juventude, mesmo que nosso corpo envelheça, nossa alma estará sempre na sua mais bela infância...
-- E você não acha que o amor é uma fraqueza? Inúmeros impérios caíram por conta das armadilhas do amor. A própria história e a literatura nos mostra o quão ele pode ser nocivo. Você não acha Ricardo?
-- Não. Aqui eu me pego a dois pensadores pra terminar nossa explanação. O primeiro é Pitágoras que disse uma vez que devemos purificar nossos corações antes de permitir que o amor entre, pois até mesmo o mel mais doce se amarga e azeda quando colocado num recipiente sujo. O amor, a fraternidade, a caridade devem mover o homem, a sociedade e não apenas a mesquinhez de passar por cima de inocentes por causa de um ideal, mesmo o mais nobre deles. Friedrich Nietzsche disse uma vez que aquilo que fazemos por amor, pelo amor sincero em demasia, está acima do bem e do mal.

-- Hum... Muito bem... Parabéns, vocês fizeram um ótimo trabalho.

Rick olhou para Julia e abaixou a cabeça. Mas dessa vez ele esboçava um sorriso quase radiante.

Na cama ela chupava-o como nunca. Não era apenas por ser uma profissional. Do ponto de vista prático estavam fazendo sexo, se comendo, colocando todos os desejos para fora e isso é normal, essas coisas não mudam. Poderia ser qualquer um, qualquer casal, ela poderia estar transando com os mesmos homens que lhe abriram um caminho estranho e solitário de prazer sem apegos – e faria o mesmo sexo bom que sabia fazer – mas decidira transar com Rick e aí não estamos mais falando do ponto de vista prático, de coisas que não mudam. É sobre um cara que fez diferença, que mudou nela – Julia – a maneira de encarar o mundo, da forma como se pode e se deve enxergar as coisas, como elas realmente funcionam. Ricardo chupava aquela boceta com vontade, babava, lambia, mordiscava. Tomava os seios em sua boca e apertava os bicos, passeava com sua língua envolta deles. Julia dava, masturbava o membro enorme dele, engolia-o fogosa, rebolava cavalgando e gozou tantas vezes que perdera as contas. Caíram exaustos enquanto o espelho do teto refletia os dois corpos abraçados, nus, silenciosos, suados, libertos.

-- Não sabia que você fumava Ricardo.
-- Não fumo, mas hoje eu decidi comemorar de verdade.
-- Você é tão esquisito, mas eu gosto do seu jeito.
-- Julia... Você aceita se casar comigo?
-- Sim! Sim meu amor! Eu aceito e quero muito, muito, muito ser a sua esposa! Agora cala a boca e me beija...

Casaram-se naquele mesmo ano, uma semana antes do natal.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Eu sei... [Conto Romântico] [Com Música]

***Caros amigos e leitores, resolvi inovar este ano e decididamente coloquei uma trilha sonora no final do texto. Os recursos do blogspot não colaboraram dessa vez e por isso postarei primeiro o link do som e depois a letra pra quem quiser acompanhar mais sentimentalmente o desfecho. Lembrando que é só um teaser, quem tiver idéia melhor por favor me avise. Espero sinceramente que vocês gostem da inovação e que seja "inspirativa" (puxa, a variação dessa palavra existe? rsrsrsrs). Um grande abraço a todos.***




Eu sei, tudo pode acontecer
Eu sei, nosso amor não vai morrer
Vou pedir aos céus você aqui comigo
Vou jogar no mar flores pra te encontrar
Não sei porque você disse adeus
Guardei o beijo que você me deu
Vou pedir... Aos céus... Você aqui comigo
("Papas da Língua - Eu sei")

Eu sabia que era a decisão errada. Que já havia tomado muitas decisões erradas na minha vida. Sempre fui errante, um pássaro que voa na direção oposta do vento. Nunca admiti estar caminhando pela vereda que leva ao precipício, ao princípio de uma mágoa que permaneceria nos arquivos do coração.

Depois de quatro anos... Era o meu primeiro final de semana sem sua companhia, seus carinhos, suas ligações noturnas. Senso, razão, causa e consequência, premissas que poderiam ter evitado tantos equívocos.

Guardei as fotos dela e a última carta de amor, quase irresponsável, quase irresoluta. Deise era uma mulher fantástica, sempre foi. Mas ela esperava de mim um grande homem, que lutasse por ela, que admitisse ter cometido um erro, que fosse verdadeiramente mais humano e mais diferente dos outros homens que passaram em sua vida. E não era dizer simplesmente te amo, nem levar café da manhã na cama. O amor tinha que ser algo intenso, forte, saboroso, onde existisse saudade, carinho, medo, compreensão, segurança. Ir ao cinema, jantar fora, viajar, tudo isso é ótimo e ao mesmo tempo descartável. Não fazia sentido viver uma relação em que os universos pareciam sempre desconectados.

Deise estava apaixonada por outro, mesmo sabendo que eu ainda era louco por ela. O “outro” não só mandava flores, mas sabia ser consolador, estar presente, dizer quase tudo na hora certa, viver a vida dela e ela a dele. Cedo ou tarde Deise perceberia que o seu mundo estaria arraigado a outro, talvez melhor, talvez mais interessante, quem sabe um cotidiano cheio de magia e cumplicidade. Essa era a mais dura verdade sobre eu e ela. Não estávamos na mesma sintonia. E eu sabia disso, desde quando tudo começou a ruir. Não cabe a mim contar nossa história desde o começo, ou os recomeços, os cansaços, mas somente o fim. Aquele do qual jamais se espera. Daquele que dói demais para ser suportado. Existem relacionamentos que acontecem por um processo de osmose, embora o nosso caso tenha sido o contrário, pois foi assim dessa forma que rompemos.

-- Isso amor, isso... Hummm... Assim mesmo, adoro você, adoroooo!
-- Mexe gostoso vai, isso, mexe, morde, safadinha... Hummmm...

Não sei qual mentira existiu na última transa. Meu orgasmo foi intenso, de verdade, sem eufemismos baratos. Talvez o ápice tenha sido junto, os sussurros, os gritos, o tesão. Só que nada disso foi real, certamente que não. Havia uma grande farsa acontecendo ali. Eu não a sentia, era uma vibração diferente da minha, um olhar frio desejando que terminasse logo aquele constrangimento. Preferi acreditar que meu corpo fora apenas fonte de um prazer ilimitado que ela buscava em outro homem. Um desejo reprimido por sucessões de catástrofes duradouras.

"Vamos jantar fora hoje?"
"Não."
"Por que não?"
"Simplesmente porque eu não quero."
"O que eu te fiz?"
"Nada. Precisamos conversar."

Foi a conversa mais esquisita e mais longa que eu já tive com alguém. Deise nem mesmo me deixou vê-la se trocar, tomar banho, ficar nua diante de mim. Eu me sentia um completo estranho procurando minhas roupas pra ir definitivamente embora daquele destino. Nem minhas ligações ela atendeu mais nas semanas seguintes.

A saudade apertava, doía, machucava como uma faca enfiada nas entranhas. No serviço minha cabeça era um turbilhão, Deise povoava minha vida, minha fantasia, me assombrava no espelho do banheiro quando eu ia lavar o rosto. Ninguém sabia da angústia que dissecava meu coração sofrido. Eu dizia que as olheiras (de choro) eram de noites mal dormidas. Os meses seguiam-se furtivos e implacáveis e eu buscava naquelas madrugadas de insônia, nas bebidas, na cópula, na maconha, no calor de outrem, a cura que não vinha.

-- Oi Ana.
-- Que houve Carlos? Você anda sumido.
-- Muito trabalho, pressão dos chefes, faculdade...
-- Não mente pra mim. O que foi que aconteceu? De verdade?
-- Você não ia querer ouvir.
-- E por que não?
-- É problema meu sabe...
-- Carlos, Carlos, relaxa meu! Problema seu é problema nosso, dos teus amigos também.

Segurei a lágrima.

-- Eu fiquei sabendo da Deise.
-- Ficou?
-- É encontrei ela no shopping e ela me disse.
-- Ah tá.
-- Ela perguntou de você.
-- Perguntou?
-- Sim. Disse que precisava te pedir um cd e uns livros dela que estava com você.
-- Você veio a mando dela?
-- Não. Ela não manda em mim, você sabe. Vim por você. Eu sei o quanto você deve estar magoado e triste, ela perdeu um grande homem. Mas ninguém manda no coração de ninguém né? Se ela não te amava mais, tinha que procurar outro caminho... Aceite isso meu amigo, essas coisas acontecem com mais frequência do que a gente imagina.
-- Ana, o que você vai fazer agora?
-- Acho que nada, por quê?
-- Eu quero sair, se eu ficar em casa acabo morrendo de tédio.
-- Legal. Mas eu preciso ir até em casa tomar um banho, estou horrível.
-- A gente se encontra onde?
-- Passa no meu cafofo pra gente ir junto. Tenho um presentinho pra você.
-- Beleza.

Por um instante senti uma pitada de alegria. Um sentimento jocoso que há tempos não me perseguia. Subi para o quarto e abri o guarda-roupas, mapeei o que pude, minhas camisas, minhas calças, meus sapatos. Era estranho. Eu não ia paquerar e mesmo assim estava tentando achar um estilo que combinasse, que formasse par, sem ser tão chamativo, até bem discreto.

Escolhi um jeans, uma camisa pólo e um sapatênis. Era um traje bem informal, mas cairia muito bem pra ocasião. Tomei um banho longo, demorado, enlouquecido, chorei um pouco, lavei meu rosto e saí descalço. Liguei o som baixinho e sentei na cama. Peguei meu celular e busquei o nome "Deise", queria ligar pra ela e dizer oi, dizer para onde ia, jogar conversa fora e uma indireta de que queria vê-la, de que ainda a amava muito.

O frio apertou, a toalha molhada dava uma sensação térmica mais gelada que de costume. Deitei na cama e fitei o teto. Fechei o flip e segurei um pranto que me tomaria insidioso. Busquei novas forças, abri novamente meu guarda-roupas e peguei um perfume: Diavòlo do Antonio Banderas. Depois de me trajar, estava bem, perfumado, pronto pra fugir porta afora de uma erosão irreversível da alma.

-- Nossa, Carlos! Você está um gatão.
-- Obrigado Ana. Você é a mulher mais linda dessa noite.

Ela riu. Não menti. Ana estava linda como nunca.

-- E a minha surpresa?
-- Ali em cima da pia.
-- Nossa! O que é isso?
-- Não pergunta, só bebe.

Respirei fundo como se fosse mergulhar no leito de um rio. Tapei o nariz e segui em frente.

-- Satisfeita agora? - eu disse depois de matar o drinque de uma vez.
-- É uma versão sintética do LSD misturada com pinga de alambique.
-- Porra, isso faz mal!
-- Desencana... E não vicia não, fica de boa.

Duas horas depois eu voltava do encontro com Deus. Não revelaria a ninguém o que vi, nem o que ouvi. Ana gargalhava enquanto tentava dizer alguma coisa sobre minha viagem. Não sei o que era, mas Deus falou comigo e me deu um sermão numa colina repleta de animais estranhos. Falou sobre o fim da vida e das coisas como as conhecemos. Coisa de nóia? Não sei, pra mim foi surreal e vívido. A noite voava feita uma águia que mergulha veloz atrás de sua presa. Ao me dar conta disso saí de cima de Ana e levantei o zíper da calça.

Era quase dez horas da noite e estávamos numa lotação sentido centro de São Paulo. Eu gostava dos bares da região de Moema e do Bexiga. Ainda tínhamos que pegar trem. Era disso que minhas noites estavam precisando, escapadas sem rumo e sem tempo, apenas contemplação da mais infinita leveza do ser. Ana era uma menina simples, não se importava em sair de ônibus, de viver qualquer loucura, seu combustível da vida era um violão, uma vontade no coração e o pé na estrada. Mulher guerreira que saira de um casamento falido, recheado de traições, tristezas, maldades, sofrimento. Eu e Ana éramos poetas da rua, da boemia, sempre fomos, em suma, sofistas.

Entramos num bar que não cobrava a entrada. A grana estava curta e queríamos diversão.

-- Porra, tá lotado hoje!
-- Relaxa Carlos, vamos curtir.
-- É, vou tentar...
-- Olha, tem uma mesa ali... Vem...

Ana era um espetáculo, cheia de sagacidade. Sentamos perto de um homem de meia idade que tocava músicas tristes. De vez em quando ele parava pra fumar um cigarro e dar um gole no que parecia ser uma alta dosagem de vodka pura e sem gelo.

-- Então... – Ana segurou em minhas mãos. – quer me contar o que está sentindo?
-- Muita tristeza. Eu a amava muito...
-- Amava?
-- Amo muito. A Deise era tudo pra mim...
-- Era?
-- Caramba Ana! Você vai ficar me questionando toda hora?
-- Desculpa Carlos... Eu só queria... Ah deixa pra lá!
-- Meu anjo...
-- Esquece. - ela esquivou-se de um beijo.

Ana ficou chateada com a bronca. E não era pra menos, convidei-a para sairmos, conversar, beber, curtir e estava aporrinhando a noite com ignorâncias e pesares. Ela, afinal, não tinha culpa dos meus problemas. Fiquei com remorso, me desculpei, mas nada adiantou. O silêncio durou longos minutos. A noite estava perdida. Sem choro nem vela.

-- Eu quero ir embora.
-- Eu também. – disse ela.
-- Te deixo em casa e depois vou.
-- Não. Vamos prum motelzinho, você sabe o que fazer.
-- Tá. Mas, vamos entrar a pé?
-- E daí?
-- Ok. No problem.

Na saída do bar esbarrei com uma mulher que vinha na multidão segurando duas latas de cerveja e me perdi de Ana. Olhei para trás para dizer algo do tipo “foi mal” e surpreendi-me ao ver que a mulher era Deise. Fiquei desconcertado.

-- Carlos? Que faz aqui?
-- Vim tomar cerveja com uns amigos. E você?
-- Bem... Eu vim curtir também... Esquecer os problemas, bem, enfim...
-- Veio sozinha?
-- Vamos Deise, achei um lugar pra gente sentar meu amor. – disse um cara, saído sei lá de onde, que a puxou pelo braço e deu-lhe um longo selinho olhando-me fundo nos olhos.

Qualquer otário perceberia a provocação. E eu, mais otário ainda, fiquei entre fingir e ignorar. Embora a vontade de vociferar “babaca” quase me arrebatou, foi a indulgência sobre a cólera que tão somente faiscou dentro de mim sem causar explosão e danos maiores. Daí, sob uma clarividência divina, mantive o silêncio e a diligência.

-- Tchau. – aquele adeus foi o ponto final entre nós, proferido de uma boca - desvencilhada do supetão - que não me pertencia mais.
-- Oi Carlos, achei que tinha perdido você. – Ana segurou-me pela mão. – Oi Deise. Vamos meu lindo, quero chegar logo ao motel. – ela completou e piscou para minha ex-namorada ao passar entre os dois novos pombinhos.
-- Sua louca! - não me contive depois.
-- Não me agradeça.

Tudo foi tão rápido. Mas na minha cabeça parecia em câmera lenta. Ana estava inflexível, quieta, pensativa, olhando pela janela do quarto a cidade escura. Estávamos na suíte presidencial. Eu estava mergulhado na hidromassagem, de fato perturbado com o reencontro. Talvez nem conseguisse fazer mais nada com Ana, nem com seu corpo, menos ainda com seus sentimentos.
Realmente minha alma, meu ego não estava preparado pra ver o grande amor da minha vida nos braços de outro alguém. Ana era coadjuvante no teatro dramático da minha vida, peça importante que compunha meus elencos.

Naquele quarto luxuoso fumamos maconha, cigarros caros, bebemos uísque importado, fizemos sexo selvagem, animalescos, tudo com profundo desamor. Como pagamos aquelas devassidões? Com o cartão de crédito que Ana roubou do cara que estava com Deise.
Numa manhã chuvosa, guardei meu único retrato com a personificação da desilusão - que tinha nome - numa caixa de papelão, junto com o perfume que tinha comprado para Deise no dia em que, surpreso, recebi de volta nossas alianças de compromisso. Levei para o lixo, do lado de fora da casa, não apenas um resquício qualquer a ser deletado, mas as grandes memórias daquilo que fomos (eu e ela). Era a foto do último verão em que estivemos juntos, sorrindo, curtindo na praia um amor que parecia eterno.

Na escrivaninha ao lado da cama, repousava Ana, terna e congelada numa mágica pictória incrivelmente colorida, com as cores que eu nunca havia me dado conta. Eram borrões alegres de um sorriso verdadeiro que conheci no último ano do colégio. Liguei o rádio e ouvi uma linda e triste canção - "eu sei" -, até adormecer por completo, na última lembrança do cheiro que deixei morrer no ralo do quintal.

Dias depois eu havia pedido demissão do emprego, trancado as matrículas dos cursos de verão e saído de casa sem explicações. Estava decidido a ir além dos meus limites, viver e arrancar de dentro de mim todos os meus temores.

-- Sua mochila tá pronta? - perguntou-me Ana por telefone.
-- Claro. Não vou voltar atrás.
-- Só o básico?
-- Só o básico.
-- Você é perfeito meu amor... Perfeito!

Embarcamos para algum lugar da América Latina, sem rumo, sem destino e sem dinheiro algum. Apenas um violão, um pouco de haxixe, muita folha de coca e uma idéia na cabeça. Mas essa é uma outra história.


Link da trilha sonora: http://br.youtube.com/watch?v=AKEoT7NQNiU




Canção: Eu sei.
Grupo: Papas da Língua.


Eu sei!
Tudo pode acontecer
Eu sei!
Nosso amor não vai morrer
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores prá te encontrar...
Não sei...
Por que você disse adeus

Guardei!
O beijo que você me deu
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores para te encontrar...

Hey, Yei...
You say good-bye
And I say hello
You say good-bye
And I say hello
Oh! Oh! Uh!
Yeah! Yeah! Yeah! Yeah!
Hey! Yeah! Yeah! Yeah!
Yeah! Yeah! Yeah! Yeah!...

Não sei!
Por que você disse adeus
Guardei!
O beijo que você me deu
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores prá te encontrar...

Yeah! Yeah!
You say good bye
And I say hello
You say good bye
And I say hello...

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Arquiduque .

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009


Nunca pensei que dizer “te amo” fosse tão importante. Hoje eu sinto falta de duas palavras que são apenas silêncio. Aqueles abraços e às vezes palavras duras, hoje são alegrias que permanecem. Um pai, um amigo, um ente, o que importa quando seu calor se resfria? O que importa quando seus olhos jazem num sono sem volta? Nada dura para sempre, disso sempre soubemos, senão as velhas lembranças de uma amizade, de momentos acima de todas as vicissitudes. Não há maldade, nem maniqueísmos no fim dessa nossa estrada. Apenas os versos e as rosas em cima de sua lápide. Chove um dissabor não tão distante, são torrentes de dores, risos, vivacidades. Se fosse fácil dizer adeus minhas mãos não tremeriam ao escrever olhando para o céu. Não espero resposta e desfito o espelho do tempo. Sinto apenas a brisa que me acalma, amplidão que me acalenta, saudade da tua estadia conosco na Terra.

Os grandes homens da minha vida hoje são estátuas, fotos, sombras que rufam ao longe uma melodia de tambores e ausências. Podem não ser deuses aqueles que amo, mas são heróis humanos que se despedem da força da vida. O nome pode ser extinto, mas não seu rosto, nem suas idéias. Mil sóis brilharão num novo mundo e mesmo que as velhas manhãs fiquem desnudas, seu lugar nunca ficará vazio. Volte em forma de vento, abraça-me como o orvalho da manhã. Escreva na janela com o sereno da madrugada e diga que está tudo bem. Estarás sempre em mim e eu sempre em você, companheiro, velho amigo...

"Heróis existem e eles não são indestrutíveis [...] porque são acima de tudo, humanos..."

ANO NOVO! VIDA NOVA... Vida nova?

Hoje eu vou fazer duas postagens. A primeira é pra dizer feliz ano novo atrasadérrimo, afinal estive de viagem para reciclar algumas boas, más e antigas idéias. Lembrando que isso demanda tempo e paciência. O primeiro pedido, que na verdade é uma promessa para 2009 e 2010 é que eu jamais me atrase nas postagens. Ansiedade cansa. E falando nisso, quero fazer uma retrô do que foi o ano de 2008, aliás, diga-se de passagem, muito curioso. Não que os outros anteriores não tivessem sido, assim como cada década, século ou milênio teve sua contribuição para o que somos hoje e o que seremos amanhã. Convém dizer que nem sempre lembramos tudo que se passa em nossa vida, visto que, nosso cérebro processa quatrocentos milhões de bits de informação por segundo, mas, segundo cientistas como Jeffrey Statinover, guardamos aproximadamente irrisórias duas mil. Mas hoje, caros amigos, não tenho predileção em argumentar sobre cientificismo ou teorias sobre o cosmos e o sentido da existência humana. Esse é um momento em que resolvi dialogar com vocês sobre o que passamos nos últimos 366 dias (é, 2008 foi um ano bissexto) e o que ainda está por vir nos próximos 365 subseqüentes. Daí, eu roubo uma pergunta tirada de um filme da minha juventude: quanto tempo nós temos? Não muito, esse é o tempo que temos.

Sobre o amor, quantos amores vivemos no ano que se passou? Não é preciso buscar no fundo do baú, nomes e datas, nem quantidade de chegadas e despedidas. Por outro lado, seria prudente mensurar qual a intensidade e a importância de cada um deles. Quantos beijos nós demos e em quantas bocas nos perdemos? Inúmeros ósculos santos e pecaminosos entre as feras e os mansos. Foram sabores e dissabores, lábios e lágrimas que derramamos. Talvez nosso pobre coração tenha tido semanas fatídicas, gloriosas, e por que não dizer insuficientes para o que desejamos? As pessoas mudam, os sentimentos mudam, as emoções embora fecundas em almas dotadas de buscas, as vezes se perdem em vontades inférteis. 2008 trouxe paixões e apagou laços desfeitos, iluminou romances e diluiu dramas na água turva de um rio chamado vida.

O ano que passou deixou seu rastro, quem sabe de destruição, quem sabe de conquistas nunca antes imaginadas. Foram caminhos desbravados e outros interditados pelas chuvas que vieram torrenciais. Tivemos derrotas, vitórias, frustrações, alegrias, tristezas. Fizemos pessoas sorrirem, chorarem, calarem diante de um vazio que deixamos ao dobrar para sempre uma esquina. Descobrimos que o mundo não é infinito, porque finito são os sonhos sem asas e as pessoas sem raízes. Alimentamos sentimentos bons que destituíram os de dores e o inverso que também destruiu lares. Nós nos despedimos de amigos e entes queridos que se foram, substituímos o velho pelo novo, o aconchego pelo desconhecido. Furamos montanhas para beber água, derrubamos muros para aceitar idéias diferentes das nossas, superamos dificuldades para aceitar o erro do próximo e os nossos em primazia. 2008 teve suas curiosidades como a queda de barreiras imaginárias, as primeiras rupturas em trajes intocáveis como os de Wall Street, a ascensão de uns e a queda de outros. Vimos a espada do tempo rasgar o preconceito do eleitorado para que o futuro não seja apenas mais um ponto de interrogação em nossas cabeças. 2008 foi um ano meticuloso e arriscamos nossa vida por alguém, por uma utopia quase infundada, por uma causa certamente perdida. Transformamos 2008 em uma novela de perdas e danos, especulamos catástrofes em audiências e discutimos o papel do jornalismo sujo e inverídico. Contudo, também descemos rua abaixo até à padaria no terceiro quarteirão para comprar pão numa manhã chuvosa, demos doce para ver uma criança tímida sorrir e flor para dizer a alguém o quanto a amamos. Seduzimos e fizemos amor naquele motelzinho perto de casa por escassez de dinheiro no fim do mês. Assistimos à televisão pra ver sobre a guerra e mudamos de canal pra ver dramas apenas dramatúrgicos e esquecer que dentro de cada ilusão existe também a cor fúnebre da tragédia. Por outro lado, fizemos traquinagens, contamos piada, vivenciamos situações engraçadas, xingamos o chefe baixinho e tiramos sarro dos companheiros de trabalho durante uma festa de fim de ano na empresa. É, fizemos coisas notáveis e muita tolice.

2008 foi interessantíssimo, poderia até afirmar que ele foi a nossa caixa de pandora, donde sobraram algumas migalhas de esperança. Foi mais um ano em que pessoas perderam a compostura, a virgindade, o pudor. Ganharam amigos, amores, inimigos, uma vizinha nova, um homem bonito na academia, um professor mais jovem (e casado), uma professora linda de matemática. São máculas e virtudes de horas e dias que pareciam intermináveis. E quando acabou, quando brindamos e bebemos a champanhe na hora dos fogos, ninguém (ou quase ninguém) parou para se perguntar: e daí que o ano acabou? Assim nos despedimos hipotéticos sem ao menos nos perguntarmos o porquê e para quê de nos submetermos a todo esse ritual esquisito dos humanos? Apenas fizemos promessas e cá estamos há sete dias caminhando em novas terras, de um tempo que agora se inicia, tomando engov e sal de frutas, tentando curar a ressaca que na cabeça parece oceânica. Se saberemos trilhar como sempre o fizemos em nova vida, isso é sim uma certeza para muitos. Mas será que neste ano vamos cumprir a maioria das nossas promessas para o outro ano? Essa é uma pergunta que poucos responderão de imediato.

Assim eu me despeço do ano que passou, agradecendo aos amigos, companheiros e pessoas que fizeram coisas acontecerem. Agora caminhamos sob uma nova cortina de fumaça a ser desbravada por ventos oníricos advindos de nossos sonhos. Um brinde a todos...