quinta-feira, 11 de outubro de 2012




QUALQUER ENTENDIMENTO DESNECESSÁRIO



Não entendo porque me reservo tempo
Tantos minutos, horas nem tanto
E conto nos dedos os segundos mágicos
Como se a rua em encruzilhadas tântricas
Fizesse nós nas pernas da avenida nua.

Paro o lápis antes do rabisco
[a caneta antes do borrão]
Não tenho medo do vazio que consome
Mas do terror no amanhã da palavra dita
Textos, cadernos, sussurros e gozos
A silhueta atrás do véu da noite se insinua
O sabor salgado se misturando à doçura.

Sinto então tua face frágil e cálida
Fervendo de pudor e mergulhada em timidez
O altivo desejo, insumo de qualquer pudor
Teu sugar, tua língua voraz num mel de volúpia
Sobre mim a humanidade e o teu poder
Nenhuma nudez será castigada no velho Rodrigues.

Os gritos. Os gemidos. Os movimentos truculentos
Espasmos, escárnios, mordidas, estocadas
O que restará antes do fim da poesia?
Lembranças, sorrisos, suores, bocas molhadas
Depois a inquietude, depois 
... Apenas silêncio.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

SOMBRA NO CREPÚSCULO...


Melissa estava cansada do silêncio. Era hediondo, perturbador e profundo. Um silêncio que vinha do lugar mais remoto da terra: a alma humana. Mas não era só isso, ela estava num crescente estado de pânico. Noites mal dormidas. E aquela quietude abismal que a destruía. Nem ao longe, sequer um único som retumbava. O som de um carro, vozes de estranhos, passos de transeuntes, nada ressoava na escuridão que a violentava. Melissa apenas podia sentir a garganta cada vez mais seca.

A madrugada avançava e Mel ora fitava o teto, ora rolava na cama. Levantou-se finalmente. Abriu a gaveta e com ajuda de seu abajur velho ela folheou indiscriminadamente bulas e receitas médicas em busca de algo que lhe devolvesse o sono ou a reconfortasse das lágrimas e do infortúnio. Entre os papéis estavam todos os seus exames de rotina; cardiovascular, cardiorrespiratório, eletrocardiograma, eletro-encefalograma, audiométricos, entre tantos outros. Tudo estava em perfeita simetria. Para melissa não existia nenhum distúrbio que explicasse aquela sensação de um frio intenso capaz de rasgar seu corpo ao meio. Não havia nenhum mistério além de uma certeza iminente.

O que mais a irritava eram os remédios psicotrópicos receitados pelo seu psiquiatra. Ele dizia que o grande mal daquela pequena era o mesmo mal que assola a humanidade: a insônia. Mel odiava-o com todas as suas forças, porque sabia que toda vez que ficava sozinha com ele a conversa ironicamente se inclinava aos apetites sexuais daquele senil. Suas mãos rançosas e ásperas lhe davam náuseas. Melissa discordava da loucura em que se via mergulhada. Diagnóstico clínico: esquizofrenia. O esfalfamento a engolia e o dia-a-dia fazia aumentar sua austeridade e tornava sua polidez cada vez mais diminuta.

Melissa abriu a geladeira. Sorveu um litro de água em longos goles. Nenhum efeito. A sede aumentou. Ela abriu o freezer e viu uma garrafa de uísque comprada há meses. Ainda estava lacrada. Arrancou ferozmente o lacre com tampa e tudo. Bebeu quase meia garrafa num único gole. Nada. Outro trago de uísque. Mais longo, amargo, pungente. Sua cabeça girou e ela caiu sobre a cama enquanto ouvia a garrafa se despedaçar no chão. "Vá se foder" ela gritou para si mesma. "Sua burra". 

Melissa sabia que aquele silêncio apavorante não era habitual, não fazia parte da noite, nem da calmaria da cidade quando dorme. O silêncio era a voz do demônio espreitando a alma, oferecendo a ela o evento mais deprimente da vida: o espetáculo da morte.

Ela tinha certeza mais do que ninguém sobre o vazio que rondava seus dias. Pessoas cochichavam atrás das portas, esquivavam-se de conversas íntimas e abraçavam-na como se fosse o último adeus. O tempo era cinzento e pesado como chumbo e dentro dela o amargor consumia seu espírito. Sua cabeça era uma tempestade.

Pesarosamente Mel caminhou até o lavabo desviando dos cacos de vidro. Olhou-se no espelho. A palidez não mais a incomodava, só o maldito silêncio. Ela então lavou as mãos e o rosto, abriu o armário do banheiro e pegou dois comprimidos. Um analgésico e outro antidepressivo. Tomou ambos de uma vez. Voltou a olhar-se no espelho. Procurou em vão algum fio de cabelo que lhe restasse da quimioterapia. Porém, Mel nem via mais seu rosto, apenas o de um esqueleto com pedaços de pele putrefata. Suas entranhas estavam abertas e suas vísceras dependuradas. Melissa coçou os olhos. As entranhas doíam e continuavam a escapar para fora do ventre. Parecia real. Ela não estava louca. A visão do noivo indo embora com outra mulher lhe atormentava tanto quanto as ligações em vão para amigos que desapareceram. Sua vida tinha sido desperdiçada. 

Ela nada fez senão contemplar sua hora. Desistiu de lutar e se entregou completamente à fatalidade. Suas roupas estavam ensopadas de sangue coagulado. Mas era belo saber que somente o som do vento soturno poderia acalentar seu desassossego. Melissa soltou a faca e virou-se abruptamente abraçando sem medo quem tanto a esperava atrás das sombras do crepúsculo. Seus pulsos adormeceram. Seu corpo e sua mente saíram de sintonia. Restou o sorriso e o lamento.

“Enfim sós, meu amor”. Era o sussurro que enfim rompia o silêncio e o drama. “Venha, vamos dançar nossa valsa.” Insistiu a morte esticando seus braços esqueléticos para melissa. E dançaram engalfinhados em direção ao infinito. No meio do quarto um corpo tombou sem vida. Ela finalmente estava livre.

quarta-feira, 6 de junho de 2012


ANA (SEUS LÁBIOS SÃO LABIRINTOS).








“Meu Deus!” Eu pensei quando despertei do sono profundo. Ela estava ali, simplesmente nua. Coloquei as mãos na cabeça e me sobreveio a mais triste indagação: “o que eu fiz?” Na boca o gosto forte de bebidas e cigarros. Na cabeça a fúria dolorosa de uma noitada de sexo, drogas e rock’n roll. Não é apenas um jargão, nem um clichê em desuso. Era a mais pura verdade, a mais vívida das perversões.


O ato estava consumado e tudo estaria bem depois de muita água e analgésico, não fosse pela realidade nua e crua que se apresentava. Ninguém sabia nossa história, se é que tínhamos alguma. Não sei dizer se ora éramos amigos, ora amantes, se nosso sangue era de irmãos ou de almas extremamente errantes. 


Eu não conseguia se quer olhar para ela, tão linda e desnudada e tão bucólica. Seria a paixão uma forma arrebatadora de pagar nossas iniqüidades ou nela protelar nossa redenção? O cheiro me dava náuseas e as marcas que deixamos em nossos corpos a grande repulsa. Tudo que vivemos numa noite era mais do que meras impressões. Afrontamos o sagrado e nos deleitamos do profano.


Corri para o banheiro e deixei que água escorresse por meu corpo. Eu queria lavá-lo, apagar o que de maléfico e malicioso nele ficou tatuado. A mente turva e corrompida não tinha como ser expurgada de seus terrores.


“Vem brincar com o papai”. Era o sussurro dele de volta a me assombrar. Mas ninguém mais me tocaria se eu não permitisse. E eu jamais colocaria numa bandeja de prata a juventude de quem quer que fosse, a inocência dos igualmente vulneráveis. Sentei no chão do banheiro e chorei. “Mamãe não está mais aqui”. Onde estará?


Respirei fundo e me levantei enfático. “Hoje não”. Desliguei o chuveiro e descalço tateei a parede procurando a toalha. Ela jamais me veria nu novamente. Nem nu, nem rijo, nem com qualquer vestígio de um desejo carnal. 


-- Ana! – chamei-a como o algoz.


Silêncio.


-- Ana!


Lancei-me quarto adentro numa busca feroz. A casa estava tão vazia quanto meu gene egoísta. A porta da rua – entreaberta – era um claro sinal de fuga. E ficou a sensação nítida de uma alma fugindo de si mesma. Do que fizemos. Dos nossos pecados e da nossa insensatez.


Dos meus pais a lembrança do enterro da própria mãe, do pai beberrão culpado de minha puerícia rasgada com a tênue gilete que cortava borboletas. Um prodígio vendido como boneco de porcelana. Nem a morte me queria, então matei o meu torturador e escondi-me durante anos na figura de um pai ausente. Hoje descobri que tinha descumprido a promessa de não ferir mais ninguém. 


Ana. Seus lábios são labirintos.



quinta-feira, 24 de maio de 2012

POESIA




ERÓTICA


Incêndio no fogo brando
Bocas pérfidas e línguas nuas
Beleza crua. Na pele tua
Meu perfume (habitat)
No fundo das nossas carnes
É como me sinto quando te possuo
É ardor quando teu desejo vive em mim
Amor fugaz. Silêncio insano dos atrozes
O que somos um para outro?
Das paixões os albatrozes
Vamos nos comer e nos consumir até que morte
Até que a morte nos separe,
E rasgue-nos ao meio com teus trovões
Antes da alegria a tristeza personifica
O apego é isto: saúde e doença e tempestade.

II

Vejo-te a olhar-me quase desfalecida
Angelical e demoníaca enquanto suga
Molha, sente, goza e gosta. É paradoxo
Pede mais até que eu perpetre o crime
Teu prazer; barbárie que me agasalha
O sorriso - servidão e solidão que engana
Assim eu sigo o ritmo do vaivém inteiriçado
Dentro de você é estar mais dentro de mim
Quanto mais intenso, mais gritos, mais ofensas
São nossos dias dionisíacos. Ciclos vitais. Afrodite.
Então eu derramo em ti a seiva que precede o fim
O mesmo fim de todos os dias na mesma cama.

III

Na tua face ardente fica o beijo
A despedida, o sussurro, o arquejo
Tuas mãos perdem-se em meus dedos
O abraço e o calor se desmancham no ar
Fenecer do rito, tragédia dos impudicos
Eu – o sagrado e o puro que profana.
Tu – tímida e despudorada que inflama.
Sempre erótica 
Sempre louca 
Sempre desnuda
Sempre.







segunda-feira, 30 de abril de 2012

XEQUE-MATE!

Talvez eu esteja me enganando. Ou quem sabe tenha colocado na lata do lixo todo um tempo estimável do qual eu poderia ter construído um pensamento análogo à grande maioria das respostas que busquei para acalentar essa alma medíocre e duvidosa. Mas, ao contrário disso, este mesmo tempo valoroso se pauta e se perde numa explicação que talvez nem fosse necessária. 

Falar de amor como uma bula farmacêutica e se referir ao sexo como se fosse um produto enlatado e empilhado numa prateleira de supermercado é fácil. Facílimo. São valores diferentes e também tragicamente indistintos. Quando entramos num círculo vicioso e esse ciclo se torna um paradoxo, sempre dá merda. Sempre.

Explicar como fazer amor numa cama onde só se enxerga sêmen e clitóris, rascunhando, detalhando minuciosamente as picardias mais sórdidas da juventude é algo que beira o ridículo. Hoje as pessoas podem me rotular de qualquer coisa: perverso, altivo, maldoso, mesquinho, talentoso, sexólogo, poeta, sedutor ou nenhuma delas. 

O fato é que nesse momento pouco importa o que pensam de mim ou da maneira como procuro no sexo uma representação profícua e ao mesmo tempo libertária da hipocrisia de alguns ou tantos elementos que norteiam o medo por trás da nossa sociedade mentecapta. 

Façam suas apostas que até o fim dessas linhas muitos acharão o cúmulo a minha mania grosseira e tempestuosa de tocar num assunto tão delicado aos olhos dos ignóbeis e dos românticos. Contudo, podem escrever meu nome na lista dos criminosos passionais (nem ligo), só peço que moderem a relevância acusadora, afinal, felizmente - e sem exageros - ninguém morreu (nem morrerá) por aqui.

Acordei de súbito esta manhã, sobressaltado com o telefone berrando estridente na minha pobre cabeça. No primeiro "alô" uma voz feminina dispara a fatídica pergunta sobre uma recém-postagem publicada em meu blog:  "sua narrativa é uma crônica, um manifesto, um desabafo ou uma declaração afetiva"? Respondi sem hesitar: as quatro definições são apropriadas, passe bem. Desliguei e voltei a dormir.


------------- POSTAGEM ORIGINAL-------------

Seu corpo estava lá, deslumbrante e desnudo, no modo "stand by", esperando que eu a possuísse com o mesmo amor irrisório com que havíamos nos conhecido há poucos dias. Ela era a única tola, personagem burra daquele enredo patético. Mas o jogo da sedução é uma merda, porque sempre um dos lados confunde emoção com relação. E ambas estão ligadas por uma tênue linha que divide os verdadeiros amores das paixões falsas. 

*Vivian queria minha alma mais do que simplesmente um símbolo fálico em sua vida, ela almejava minha mente, meus sonhos, meus ideários. Até esperava que fôssemos amantes eternos, nascidos de um romance shakespeariano. Balela. Tudo bobagem. Para mim os órgãos genitais eram ícones isolados, objetos no processo reprodutivo dos Homens e além do mais eu nunca tinha conhecido ou havia experimentado o sabor dos dramas de uma realidade romanceada, eurocêntrica e egocêntrica (até rima!), eternizados para sempre entre os séculos da nossa história. Eu só conhecia a palavra "gozar". Em outros desdobramentos, sinônimo de prazer desmedido.

Na minha cabeça passava o trailer de um sexozinho de fim de noite. Uma boa transa de fim de semana. Mas como certas doçuras de pessoas como ela conseguem estragar finas teias de clímax, me desinteressei quase que irredutível e imediatamente. O que mais me causa o tédio é essa coisa de apaixonar-se perdidamente dentro de uma boate onde todos procuram a mesma coisa: sexo sem compromisso.

Nesse contexto de namoricos, de idas e vindas, eu me assemelho a uma rocha. Era óbvio que não estávamos na mesma sintonia, nem falando a mesma língua. E todos sabem que casais que vivem fora do ar, em geral, terminam em guerra como todas as outras relações sociais amalucadas. Estar ali, dançando, para mim era apenas desculpa para umas cervejas e uma noite de sexo indiscriminado. Esbarrei com ela, trocamos olhares profundos e incertos. Então veio a fusão entre o corpo e o desejo, engalfinhados numa ferocidade como a de Kali e Shiva. Quando a madrugada avançou nos entregamos à devassidão e fizemos amor. Amor? Não, isso com certeza não fizemos.

Vivian tinha um olhar de menina, um olhar de quem queria descobrir um mar de emoções. Era o famoso "dia seguinte". Ela não sabia que minha personalidade era um deserto árido naquele instante. Os telefonemas fora de hora, as carências afetivas, os choros no portão da minha casa, minha mãe querendo saber quem era a garota mais triste do mundo que me esperava pacientemente todas as tardes, escondida do outro lado da rua. Era entediante. 

Nossos encontros me davam sono. E como dispensar alguém tão emotiva sem a chatice do fim de uma relação que, diga-se de passagem, nem existia? Meus queridos amigos diziam que era amor. Mas eu sabia que no fundo, ela ainda carregava o complexo de electra (ou pré-edipo) e via em mim a figura paterna que foi ausente em sua infância. E olha que tínhamos idade para sermos irmãos. Somente irmãos. Talvez eu a visse desse jeito, como uma irmã chorona e birrenta. Eu sempre fui um pouco intolerante e turrão, não achava graça em quase nada. Vivia nos botecos enchendo a cara e me metendo em confusão. Nossos mundos eram flechas atiradas em direções opostas. Quem iria acreditar que daria certo? Todos a minha volta, sem exceção. Menos eu (é claro).

Nossas pessoalidades divergiam sempre. Foram inúmeras separações e brigas. A verdadeira guerra dos sexos. Meu pai se divertia com minha desastrosa, mas famigerada vida amorosa. De cara fechada e rústica, eu tinha certeza dos laços afetivos lacônicos. Tinha raiva de ter ido à boate naquele dia e ter ficado dançando como um bobo na frente daquela maluca de sapatilha vermelha e vestido florido. Mas ela era linda. Sempre foi. As pessoas me paravam na rua e diziam que eu tinha sorte e devia aproveitar com Vivian o que a vida estava oferecendo. Nem todos os casais são felizes. Eu queria mesmo era minha vida de solteiro fanfarrão de volta, minhas efemeridades. O sexo daquele dia foi incisivo e decisivo no que se refere a ter sempre a mesma companhia, um jeito único de deitarmos na cama de casal. Ela de conchinha e eu espaçoso feito uma mula. Mas e daí? Hoje faz quinze anos que estamos casados e temos filhos lindos. No fim desse jogo amoroso ela me venceu: um feliz xeque-mate!

*Nota: Vivian é uma personagem fictícia, mas que personifica laços que me uniram à minha atual esposa, uma pessoa real. Apenas não usei o nome dela por questões éticas e processuais. Agradeço a compreensão.