quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Julia... Você aceita se casar comigo?




-- Você tem cigarro?
-- Tenho sim. Tá na minha bolsa, o isqueiro também.

Julia não se importava com mais nada, aquele era um momento para extravasar. Estava no fim do semestre e no ano seguinte ninguém mais se veria, pois era também o fim do curso. Três anos de faculdade de sociologia, duas dependências em metodologia de pesquisa científica e estágio, inúmeras festas. Ela imaginava que tinham sido seus anos de libertação, fora dos seios dos pais ela transou, participou de orgias, arrumou namorado, traiu, foi traída, viajou por lugares desconhecidos, descobriu a maconha, o porre, as badaladas raves, os movimentos sociais, os motins contra a polícia e a repressão. E olha que ela saíra de casa com um sonho comum na cabeça: terminar sua tão sonhada universidade e ganhar o mundo, a fama entre os intelectuais, rios de dinheiro. Nada disso. O mundo era cruel e depois de três anos ela estava pronta pra reagir, mostrar que seu ídolo não estava morto. Karl Marx. Um dia, sem querer, ao assistir o filme “Olga” na sala de aula Julia deixou escapar:

-- Eu queria ter sido ela.

Todos riram. Aquelas palavras pareciam ter saído de uma criança que assistia um desenho de super herói. Seria uma lembrança e tanto. Ela que achava que o ápice da sua juventude fora o colégio, as brincadeiras, os meninos que ficavam colocando espelhinho grudado no sapato pra ver a calcinha das meninas que iam de saia pra escola. Não, aquilo era muito mais, Julia tinha vivido uma história realmente intensa, tinha desnudado o véu da mentira sobre o sexo com amor. Não havia nada além e aquém, era factual sentir prazer e depois esquecer.


-- Toma. - ela lhe entregara o maço e o isqueiro.
-- Obrigado Ju. – agradeceu Rick, seu colega de sala.

Foram amigos durante muito tempo. Jamais se envolveram, pois ele era chato, metódico, centrado naquilo que estava estudando. Quase não participava das festas e das viagens. Rick era da mansa paz, enquanto Julia preferia a paz armada. Naquela sala a hipocrisia era tão escancarada que parecia uma piada de mau gosto. Todos falavam mal de Rick, mas pediam cola nas semanas de prova. De quando em quando - para desencargo de consciência - ela o defendia em vão em meio às piadas maldosas. E ele, contudo, passava as respostas, socializava, suava frio, no fim fazia a prova de quase todo mundo. Julia sentia pena, mas se deixava levar pela maré de convites infaustos e no último ano esqueceu-o completamente. Lembrava dele quando precisava entregar trabalho atrasado e Rick nunca se recusava, nem pestanejava, aliás, nunca deu um pio.

Na primeira orgia Julia se sentiu desconfortável. No apartamento de um dos meninos, que ela nunca sabia quem era, eles destinavam um dos quartos para ambientar o inferninho onde os casais transavam. Julia entrou primeiro, não sabia quantos homens haveriam ali – nem quem eram – apenas tateou a parede e sentou-se numa poltrona. Uma voz feminina de fora ordenou que ela tirasse a roupa – em cinco minutos. Entraram em seguida três dos caras da sala que organizaram a surubada, ela os tocou e sentiu que estavam nus, rijos, tomados de tesão. Não houve tempo para recusa, Julia começou a chupar um deles enquanto os outros dois chupavam seus peitos e acariciavam sua boceta. Ela nunca tinha chupado ninguém, se esforçava, lambia, o gosto parecia ruim talvez pela situação e pelo cheiro de muitas porras diferentes naquele quarto. Dava náuseas, Julia queria parar, tentou afastar um que lhe estocava com força, mas era inútil. Só deu tempo de escapulir quando dois deles haviam gozado. Ela saiu correndo e foi pra casa. Tomou um banho enquanto se esfregava querendo trazer de volta a menina recatada e birrenta que fora antes. Tarde demais. Seu nome rolava na sala de aula, todos queriam comer a ninfetinha que fazia oral como ninguém. Dali em diante, pouco importava o que sentia, sexo era sexo, bom sexo, muito pinto, prazer, orgasmo, gozo e falta de doçura. Julia era uma puta e das melhores, tinha perdido a noção do que era pudor.

Rick continuava com sua vida estranha e medíocre. Enquanto Julia se embolava no palco perverso da libertinagem com o resto do mundo. Risos por fora e angústias por dentro. Durante os três anos coisas aconteciam, merdas sempre aconteciam, como o dia em que ao ir à casa de Rick, esperançosa de que ele a recolocasse no caminho certo ou lhe desse uma luz de clarividência sobre suas decisões, revelou a Julia um homem sádico, em que o pai era dono de bordel e o filho seria o grande sucessor que explorava mulheres sem sorte.

-- Trabalhe pra mim.
-- Nunca, nunca e nunca! Seu pulha!

Os dois ficaram um semestre sem se falar. Mas a culpa não era de Rick, era dela mesma, afinal ninguém pode ter uma impressão sobre o que somos sem antes observar o que fazemos. A sociedade é assim, julga pelo que se faz e não pelo que se é. E cá entre nós amigos, Julia sabia fazer muito bem e fazia bem gostoso.

Na penúltima semana de aula Julia estava quase em prantos acusando um e outro pelas suas notas baixas. O calor das últimas avaliações e o fim do curso era tão esperado que não houve nenhuma comoção por parte dos colegas ante o desespero da pobre coitada. Seu último recurso foi apelar para o tempo que lhe restava.

Naquela sexta-feira que precedia as provas da semana seguinte, também véspera da entrada do mês gelado de julho – a estiagem chegara dias antes do normal – Julia estava enfurnada na biblioteca com uma pilha de livros na mesa e seu casaco pendurado na cadeira.

-- Oi Ju, não vai com a gente pro bar?
-- Hoje não dá, tenho que estudar.
-- Você estudando? Que piada! – alguns riram alto chamando atenção.
-- Eu não posso ficar em nenhuma matéria porque senão reprovo por causa das depês que tenho do semestre passado.
-- Má que zica hein!
-- Pois é. Agora dá licença Amanda.
-- Porque você não pede pro Rick fazer seus trabalhos? Ele sempre fez ué!
-- Não acho justo, eu quero passar sozinha nesse semestre, mereço isso pelo menos no último do curso né?
-- Acho que você anda fumando maconha estragada.

Amanda saiu rindo com os outros colegas. Julia sabia que era mentira, ela não queria passar sozinha, só não queria que os outros soubessem que estava brigada com Rick e que fora literalmente chamada de prostituta por ele. Era questão de honra.

-- Oi. – alguém se aproximou.
-- Olha aqui, eu tô estudando não tá vendo? – Julia respondeu grosseiramente e depois ficou arrependida por ver que era Rick.
-- Não quero atrapalhar, só vim te entregar isso. – ele colocou educadamente na mesa um pacote volumoso.
-- E eu posso saber o que é “isso”?
-- São todos os trabalhos desse semestre. Você só terá que digitar e...
-- Não quero, pode levar de volta. – disse ela afastando o pacote.
-- Por que não?
-- Eu quero passar nas provas sozinha, sem ajuda de ninguém.
-- Não estou te ajudando. Esses trabalhos são meus, são rascunhos, pode usar. Se você ficar de depê de novo eu também fico. Quero fazer isso... Preciso fazer...
-- Não precisa não. Se tu acha que pode se redimir por causa desses...

Rick beijou-a. Invadiu sua boca com uma língua quente, macia, voraz, poderosa. Era como se ela pudesse sentir sua alma e seu corpo possuindo-a. Foi uma acontecimento estranho e mágico. Um presente divino. Ele saiu correndo da biblioteca e sumiu pelos corredores. Julia estava tão horrorizada e espantada com a coragem dele que apenas passou a mão na boca e fechou os olhos. Depois ela sorriu e começou a ler os papéis rasurados da encomenda.

Na semana seguinte as provas foram as mais difíceis, mas Julia estava animada, contente, preparada pro que desse e viesse. Rick passou a semana inteira calado, terminava sua prova e saía cada vez mais rápido, mais fugaz, como se a polícia estivesse no seu encalço. Julia não entendia. Queria agradecer-lhe, abraçar aquele homem tão especial, pedir que a beijasse daquele jeito novamente. E até o fim da semana foi assim, concentração, expiação e fuga.

No último dia o frio arrebatou todas as salas mal planejadas da instituição. Ventava como se o mundo fosse cair. Era o dia de apresentação dos trabalhos de conclusão, das monografias. O grupo de Julia foi o penúltimo. Rick não tinha comparecido, sua cadeira estava vazia e misteriosa, todos comentavam que a ausência poderia lhe custar um semestre. Ninguém do grupo dele estava presente. Se aquilo fosse um capricho, era burrice demais.

-- Bom... O grupo dez vai ficar sem nota...

Antes que o professor terminasse a frase, Rick entrou com o resto dos integrantes e postou-se diante da lousa olhando para os colegas atônitos. O trabalho encadernado repousava na mesa de Genival, o orientador da disciplina. A argumentação do grupo foi uma das mais longas com expressivos discursos, explicações, gráficos e Rick finalizou com a frase de um filósofo.

-- E eu aprendi que o amor e a caridade são as fontes da juventude, mesmo que nosso corpo envelheça, nossa alma estará sempre na sua mais bela infância...
-- E você não acha que o amor é uma fraqueza? Inúmeros impérios caíram por conta das armadilhas do amor. A própria história e a literatura nos mostra o quão ele pode ser nocivo. Você não acha Ricardo?
-- Não. Aqui eu me pego a dois pensadores pra terminar nossa explanação. O primeiro é Pitágoras que disse uma vez que devemos purificar nossos corações antes de permitir que o amor entre, pois até mesmo o mel mais doce se amarga e azeda quando colocado num recipiente sujo. O amor, a fraternidade, a caridade devem mover o homem, a sociedade e não apenas a mesquinhez de passar por cima de inocentes por causa de um ideal, mesmo o mais nobre deles. Friedrich Nietzsche disse uma vez que aquilo que fazemos por amor, pelo amor sincero em demasia, está acima do bem e do mal.

-- Hum... Muito bem... Parabéns, vocês fizeram um ótimo trabalho.

Rick olhou para Julia e abaixou a cabeça. Mas dessa vez ele esboçava um sorriso quase radiante.

Na cama ela chupava-o como nunca. Não era apenas por ser uma profissional. Do ponto de vista prático estavam fazendo sexo, se comendo, colocando todos os desejos para fora e isso é normal, essas coisas não mudam. Poderia ser qualquer um, qualquer casal, ela poderia estar transando com os mesmos homens que lhe abriram um caminho estranho e solitário de prazer sem apegos – e faria o mesmo sexo bom que sabia fazer – mas decidira transar com Rick e aí não estamos mais falando do ponto de vista prático, de coisas que não mudam. É sobre um cara que fez diferença, que mudou nela – Julia – a maneira de encarar o mundo, da forma como se pode e se deve enxergar as coisas, como elas realmente funcionam. Ricardo chupava aquela boceta com vontade, babava, lambia, mordiscava. Tomava os seios em sua boca e apertava os bicos, passeava com sua língua envolta deles. Julia dava, masturbava o membro enorme dele, engolia-o fogosa, rebolava cavalgando e gozou tantas vezes que perdera as contas. Caíram exaustos enquanto o espelho do teto refletia os dois corpos abraçados, nus, silenciosos, suados, libertos.

-- Não sabia que você fumava Ricardo.
-- Não fumo, mas hoje eu decidi comemorar de verdade.
-- Você é tão esquisito, mas eu gosto do seu jeito.
-- Julia... Você aceita se casar comigo?
-- Sim! Sim meu amor! Eu aceito e quero muito, muito, muito ser a sua esposa! Agora cala a boca e me beija...

Casaram-se naquele mesmo ano, uma semana antes do natal.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Eu sei... [Conto Romântico] [Com Música]

***Caros amigos e leitores, resolvi inovar este ano e decididamente coloquei uma trilha sonora no final do texto. Os recursos do blogspot não colaboraram dessa vez e por isso postarei primeiro o link do som e depois a letra pra quem quiser acompanhar mais sentimentalmente o desfecho. Lembrando que é só um teaser, quem tiver idéia melhor por favor me avise. Espero sinceramente que vocês gostem da inovação e que seja "inspirativa" (puxa, a variação dessa palavra existe? rsrsrsrs). Um grande abraço a todos.***




Eu sei, tudo pode acontecer
Eu sei, nosso amor não vai morrer
Vou pedir aos céus você aqui comigo
Vou jogar no mar flores pra te encontrar
Não sei porque você disse adeus
Guardei o beijo que você me deu
Vou pedir... Aos céus... Você aqui comigo
("Papas da Língua - Eu sei")

Eu sabia que era a decisão errada. Que já havia tomado muitas decisões erradas na minha vida. Sempre fui errante, um pássaro que voa na direção oposta do vento. Nunca admiti estar caminhando pela vereda que leva ao precipício, ao princípio de uma mágoa que permaneceria nos arquivos do coração.

Depois de quatro anos... Era o meu primeiro final de semana sem sua companhia, seus carinhos, suas ligações noturnas. Senso, razão, causa e consequência, premissas que poderiam ter evitado tantos equívocos.

Guardei as fotos dela e a última carta de amor, quase irresponsável, quase irresoluta. Deise era uma mulher fantástica, sempre foi. Mas ela esperava de mim um grande homem, que lutasse por ela, que admitisse ter cometido um erro, que fosse verdadeiramente mais humano e mais diferente dos outros homens que passaram em sua vida. E não era dizer simplesmente te amo, nem levar café da manhã na cama. O amor tinha que ser algo intenso, forte, saboroso, onde existisse saudade, carinho, medo, compreensão, segurança. Ir ao cinema, jantar fora, viajar, tudo isso é ótimo e ao mesmo tempo descartável. Não fazia sentido viver uma relação em que os universos pareciam sempre desconectados.

Deise estava apaixonada por outro, mesmo sabendo que eu ainda era louco por ela. O “outro” não só mandava flores, mas sabia ser consolador, estar presente, dizer quase tudo na hora certa, viver a vida dela e ela a dele. Cedo ou tarde Deise perceberia que o seu mundo estaria arraigado a outro, talvez melhor, talvez mais interessante, quem sabe um cotidiano cheio de magia e cumplicidade. Essa era a mais dura verdade sobre eu e ela. Não estávamos na mesma sintonia. E eu sabia disso, desde quando tudo começou a ruir. Não cabe a mim contar nossa história desde o começo, ou os recomeços, os cansaços, mas somente o fim. Aquele do qual jamais se espera. Daquele que dói demais para ser suportado. Existem relacionamentos que acontecem por um processo de osmose, embora o nosso caso tenha sido o contrário, pois foi assim dessa forma que rompemos.

-- Isso amor, isso... Hummm... Assim mesmo, adoro você, adoroooo!
-- Mexe gostoso vai, isso, mexe, morde, safadinha... Hummmm...

Não sei qual mentira existiu na última transa. Meu orgasmo foi intenso, de verdade, sem eufemismos baratos. Talvez o ápice tenha sido junto, os sussurros, os gritos, o tesão. Só que nada disso foi real, certamente que não. Havia uma grande farsa acontecendo ali. Eu não a sentia, era uma vibração diferente da minha, um olhar frio desejando que terminasse logo aquele constrangimento. Preferi acreditar que meu corpo fora apenas fonte de um prazer ilimitado que ela buscava em outro homem. Um desejo reprimido por sucessões de catástrofes duradouras.

"Vamos jantar fora hoje?"
"Não."
"Por que não?"
"Simplesmente porque eu não quero."
"O que eu te fiz?"
"Nada. Precisamos conversar."

Foi a conversa mais esquisita e mais longa que eu já tive com alguém. Deise nem mesmo me deixou vê-la se trocar, tomar banho, ficar nua diante de mim. Eu me sentia um completo estranho procurando minhas roupas pra ir definitivamente embora daquele destino. Nem minhas ligações ela atendeu mais nas semanas seguintes.

A saudade apertava, doía, machucava como uma faca enfiada nas entranhas. No serviço minha cabeça era um turbilhão, Deise povoava minha vida, minha fantasia, me assombrava no espelho do banheiro quando eu ia lavar o rosto. Ninguém sabia da angústia que dissecava meu coração sofrido. Eu dizia que as olheiras (de choro) eram de noites mal dormidas. Os meses seguiam-se furtivos e implacáveis e eu buscava naquelas madrugadas de insônia, nas bebidas, na cópula, na maconha, no calor de outrem, a cura que não vinha.

-- Oi Ana.
-- Que houve Carlos? Você anda sumido.
-- Muito trabalho, pressão dos chefes, faculdade...
-- Não mente pra mim. O que foi que aconteceu? De verdade?
-- Você não ia querer ouvir.
-- E por que não?
-- É problema meu sabe...
-- Carlos, Carlos, relaxa meu! Problema seu é problema nosso, dos teus amigos também.

Segurei a lágrima.

-- Eu fiquei sabendo da Deise.
-- Ficou?
-- É encontrei ela no shopping e ela me disse.
-- Ah tá.
-- Ela perguntou de você.
-- Perguntou?
-- Sim. Disse que precisava te pedir um cd e uns livros dela que estava com você.
-- Você veio a mando dela?
-- Não. Ela não manda em mim, você sabe. Vim por você. Eu sei o quanto você deve estar magoado e triste, ela perdeu um grande homem. Mas ninguém manda no coração de ninguém né? Se ela não te amava mais, tinha que procurar outro caminho... Aceite isso meu amigo, essas coisas acontecem com mais frequência do que a gente imagina.
-- Ana, o que você vai fazer agora?
-- Acho que nada, por quê?
-- Eu quero sair, se eu ficar em casa acabo morrendo de tédio.
-- Legal. Mas eu preciso ir até em casa tomar um banho, estou horrível.
-- A gente se encontra onde?
-- Passa no meu cafofo pra gente ir junto. Tenho um presentinho pra você.
-- Beleza.

Por um instante senti uma pitada de alegria. Um sentimento jocoso que há tempos não me perseguia. Subi para o quarto e abri o guarda-roupas, mapeei o que pude, minhas camisas, minhas calças, meus sapatos. Era estranho. Eu não ia paquerar e mesmo assim estava tentando achar um estilo que combinasse, que formasse par, sem ser tão chamativo, até bem discreto.

Escolhi um jeans, uma camisa pólo e um sapatênis. Era um traje bem informal, mas cairia muito bem pra ocasião. Tomei um banho longo, demorado, enlouquecido, chorei um pouco, lavei meu rosto e saí descalço. Liguei o som baixinho e sentei na cama. Peguei meu celular e busquei o nome "Deise", queria ligar pra ela e dizer oi, dizer para onde ia, jogar conversa fora e uma indireta de que queria vê-la, de que ainda a amava muito.

O frio apertou, a toalha molhada dava uma sensação térmica mais gelada que de costume. Deitei na cama e fitei o teto. Fechei o flip e segurei um pranto que me tomaria insidioso. Busquei novas forças, abri novamente meu guarda-roupas e peguei um perfume: Diavòlo do Antonio Banderas. Depois de me trajar, estava bem, perfumado, pronto pra fugir porta afora de uma erosão irreversível da alma.

-- Nossa, Carlos! Você está um gatão.
-- Obrigado Ana. Você é a mulher mais linda dessa noite.

Ela riu. Não menti. Ana estava linda como nunca.

-- E a minha surpresa?
-- Ali em cima da pia.
-- Nossa! O que é isso?
-- Não pergunta, só bebe.

Respirei fundo como se fosse mergulhar no leito de um rio. Tapei o nariz e segui em frente.

-- Satisfeita agora? - eu disse depois de matar o drinque de uma vez.
-- É uma versão sintética do LSD misturada com pinga de alambique.
-- Porra, isso faz mal!
-- Desencana... E não vicia não, fica de boa.

Duas horas depois eu voltava do encontro com Deus. Não revelaria a ninguém o que vi, nem o que ouvi. Ana gargalhava enquanto tentava dizer alguma coisa sobre minha viagem. Não sei o que era, mas Deus falou comigo e me deu um sermão numa colina repleta de animais estranhos. Falou sobre o fim da vida e das coisas como as conhecemos. Coisa de nóia? Não sei, pra mim foi surreal e vívido. A noite voava feita uma águia que mergulha veloz atrás de sua presa. Ao me dar conta disso saí de cima de Ana e levantei o zíper da calça.

Era quase dez horas da noite e estávamos numa lotação sentido centro de São Paulo. Eu gostava dos bares da região de Moema e do Bexiga. Ainda tínhamos que pegar trem. Era disso que minhas noites estavam precisando, escapadas sem rumo e sem tempo, apenas contemplação da mais infinita leveza do ser. Ana era uma menina simples, não se importava em sair de ônibus, de viver qualquer loucura, seu combustível da vida era um violão, uma vontade no coração e o pé na estrada. Mulher guerreira que saira de um casamento falido, recheado de traições, tristezas, maldades, sofrimento. Eu e Ana éramos poetas da rua, da boemia, sempre fomos, em suma, sofistas.

Entramos num bar que não cobrava a entrada. A grana estava curta e queríamos diversão.

-- Porra, tá lotado hoje!
-- Relaxa Carlos, vamos curtir.
-- É, vou tentar...
-- Olha, tem uma mesa ali... Vem...

Ana era um espetáculo, cheia de sagacidade. Sentamos perto de um homem de meia idade que tocava músicas tristes. De vez em quando ele parava pra fumar um cigarro e dar um gole no que parecia ser uma alta dosagem de vodka pura e sem gelo.

-- Então... – Ana segurou em minhas mãos. – quer me contar o que está sentindo?
-- Muita tristeza. Eu a amava muito...
-- Amava?
-- Amo muito. A Deise era tudo pra mim...
-- Era?
-- Caramba Ana! Você vai ficar me questionando toda hora?
-- Desculpa Carlos... Eu só queria... Ah deixa pra lá!
-- Meu anjo...
-- Esquece. - ela esquivou-se de um beijo.

Ana ficou chateada com a bronca. E não era pra menos, convidei-a para sairmos, conversar, beber, curtir e estava aporrinhando a noite com ignorâncias e pesares. Ela, afinal, não tinha culpa dos meus problemas. Fiquei com remorso, me desculpei, mas nada adiantou. O silêncio durou longos minutos. A noite estava perdida. Sem choro nem vela.

-- Eu quero ir embora.
-- Eu também. – disse ela.
-- Te deixo em casa e depois vou.
-- Não. Vamos prum motelzinho, você sabe o que fazer.
-- Tá. Mas, vamos entrar a pé?
-- E daí?
-- Ok. No problem.

Na saída do bar esbarrei com uma mulher que vinha na multidão segurando duas latas de cerveja e me perdi de Ana. Olhei para trás para dizer algo do tipo “foi mal” e surpreendi-me ao ver que a mulher era Deise. Fiquei desconcertado.

-- Carlos? Que faz aqui?
-- Vim tomar cerveja com uns amigos. E você?
-- Bem... Eu vim curtir também... Esquecer os problemas, bem, enfim...
-- Veio sozinha?
-- Vamos Deise, achei um lugar pra gente sentar meu amor. – disse um cara, saído sei lá de onde, que a puxou pelo braço e deu-lhe um longo selinho olhando-me fundo nos olhos.

Qualquer otário perceberia a provocação. E eu, mais otário ainda, fiquei entre fingir e ignorar. Embora a vontade de vociferar “babaca” quase me arrebatou, foi a indulgência sobre a cólera que tão somente faiscou dentro de mim sem causar explosão e danos maiores. Daí, sob uma clarividência divina, mantive o silêncio e a diligência.

-- Tchau. – aquele adeus foi o ponto final entre nós, proferido de uma boca - desvencilhada do supetão - que não me pertencia mais.
-- Oi Carlos, achei que tinha perdido você. – Ana segurou-me pela mão. – Oi Deise. Vamos meu lindo, quero chegar logo ao motel. – ela completou e piscou para minha ex-namorada ao passar entre os dois novos pombinhos.
-- Sua louca! - não me contive depois.
-- Não me agradeça.

Tudo foi tão rápido. Mas na minha cabeça parecia em câmera lenta. Ana estava inflexível, quieta, pensativa, olhando pela janela do quarto a cidade escura. Estávamos na suíte presidencial. Eu estava mergulhado na hidromassagem, de fato perturbado com o reencontro. Talvez nem conseguisse fazer mais nada com Ana, nem com seu corpo, menos ainda com seus sentimentos.
Realmente minha alma, meu ego não estava preparado pra ver o grande amor da minha vida nos braços de outro alguém. Ana era coadjuvante no teatro dramático da minha vida, peça importante que compunha meus elencos.

Naquele quarto luxuoso fumamos maconha, cigarros caros, bebemos uísque importado, fizemos sexo selvagem, animalescos, tudo com profundo desamor. Como pagamos aquelas devassidões? Com o cartão de crédito que Ana roubou do cara que estava com Deise.
Numa manhã chuvosa, guardei meu único retrato com a personificação da desilusão - que tinha nome - numa caixa de papelão, junto com o perfume que tinha comprado para Deise no dia em que, surpreso, recebi de volta nossas alianças de compromisso. Levei para o lixo, do lado de fora da casa, não apenas um resquício qualquer a ser deletado, mas as grandes memórias daquilo que fomos (eu e ela). Era a foto do último verão em que estivemos juntos, sorrindo, curtindo na praia um amor que parecia eterno.

Na escrivaninha ao lado da cama, repousava Ana, terna e congelada numa mágica pictória incrivelmente colorida, com as cores que eu nunca havia me dado conta. Eram borrões alegres de um sorriso verdadeiro que conheci no último ano do colégio. Liguei o rádio e ouvi uma linda e triste canção - "eu sei" -, até adormecer por completo, na última lembrança do cheiro que deixei morrer no ralo do quintal.

Dias depois eu havia pedido demissão do emprego, trancado as matrículas dos cursos de verão e saído de casa sem explicações. Estava decidido a ir além dos meus limites, viver e arrancar de dentro de mim todos os meus temores.

-- Sua mochila tá pronta? - perguntou-me Ana por telefone.
-- Claro. Não vou voltar atrás.
-- Só o básico?
-- Só o básico.
-- Você é perfeito meu amor... Perfeito!

Embarcamos para algum lugar da América Latina, sem rumo, sem destino e sem dinheiro algum. Apenas um violão, um pouco de haxixe, muita folha de coca e uma idéia na cabeça. Mas essa é uma outra história.


Link da trilha sonora: http://br.youtube.com/watch?v=AKEoT7NQNiU




Canção: Eu sei.
Grupo: Papas da Língua.


Eu sei!
Tudo pode acontecer
Eu sei!
Nosso amor não vai morrer
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores prá te encontrar...
Não sei...
Por que você disse adeus

Guardei!
O beijo que você me deu
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores para te encontrar...

Hey, Yei...
You say good-bye
And I say hello
You say good-bye
And I say hello
Oh! Oh! Uh!
Yeah! Yeah! Yeah! Yeah!
Hey! Yeah! Yeah! Yeah!
Yeah! Yeah! Yeah! Yeah!...

Não sei!
Por que você disse adeus
Guardei!
O beijo que você me deu
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores prá te encontrar...

Yeah! Yeah!
You say good bye
And I say hello
You say good bye
And I say hello...

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Arquiduque .

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009


Nunca pensei que dizer “te amo” fosse tão importante. Hoje eu sinto falta de duas palavras que são apenas silêncio. Aqueles abraços e às vezes palavras duras, hoje são alegrias que permanecem. Um pai, um amigo, um ente, o que importa quando seu calor se resfria? O que importa quando seus olhos jazem num sono sem volta? Nada dura para sempre, disso sempre soubemos, senão as velhas lembranças de uma amizade, de momentos acima de todas as vicissitudes. Não há maldade, nem maniqueísmos no fim dessa nossa estrada. Apenas os versos e as rosas em cima de sua lápide. Chove um dissabor não tão distante, são torrentes de dores, risos, vivacidades. Se fosse fácil dizer adeus minhas mãos não tremeriam ao escrever olhando para o céu. Não espero resposta e desfito o espelho do tempo. Sinto apenas a brisa que me acalma, amplidão que me acalenta, saudade da tua estadia conosco na Terra.

Os grandes homens da minha vida hoje são estátuas, fotos, sombras que rufam ao longe uma melodia de tambores e ausências. Podem não ser deuses aqueles que amo, mas são heróis humanos que se despedem da força da vida. O nome pode ser extinto, mas não seu rosto, nem suas idéias. Mil sóis brilharão num novo mundo e mesmo que as velhas manhãs fiquem desnudas, seu lugar nunca ficará vazio. Volte em forma de vento, abraça-me como o orvalho da manhã. Escreva na janela com o sereno da madrugada e diga que está tudo bem. Estarás sempre em mim e eu sempre em você, companheiro, velho amigo...

"Heróis existem e eles não são indestrutíveis [...] porque são acima de tudo, humanos..."

ANO NOVO! VIDA NOVA... Vida nova?

Hoje eu vou fazer duas postagens. A primeira é pra dizer feliz ano novo atrasadérrimo, afinal estive de viagem para reciclar algumas boas, más e antigas idéias. Lembrando que isso demanda tempo e paciência. O primeiro pedido, que na verdade é uma promessa para 2009 e 2010 é que eu jamais me atrase nas postagens. Ansiedade cansa. E falando nisso, quero fazer uma retrô do que foi o ano de 2008, aliás, diga-se de passagem, muito curioso. Não que os outros anteriores não tivessem sido, assim como cada década, século ou milênio teve sua contribuição para o que somos hoje e o que seremos amanhã. Convém dizer que nem sempre lembramos tudo que se passa em nossa vida, visto que, nosso cérebro processa quatrocentos milhões de bits de informação por segundo, mas, segundo cientistas como Jeffrey Statinover, guardamos aproximadamente irrisórias duas mil. Mas hoje, caros amigos, não tenho predileção em argumentar sobre cientificismo ou teorias sobre o cosmos e o sentido da existência humana. Esse é um momento em que resolvi dialogar com vocês sobre o que passamos nos últimos 366 dias (é, 2008 foi um ano bissexto) e o que ainda está por vir nos próximos 365 subseqüentes. Daí, eu roubo uma pergunta tirada de um filme da minha juventude: quanto tempo nós temos? Não muito, esse é o tempo que temos.

Sobre o amor, quantos amores vivemos no ano que se passou? Não é preciso buscar no fundo do baú, nomes e datas, nem quantidade de chegadas e despedidas. Por outro lado, seria prudente mensurar qual a intensidade e a importância de cada um deles. Quantos beijos nós demos e em quantas bocas nos perdemos? Inúmeros ósculos santos e pecaminosos entre as feras e os mansos. Foram sabores e dissabores, lábios e lágrimas que derramamos. Talvez nosso pobre coração tenha tido semanas fatídicas, gloriosas, e por que não dizer insuficientes para o que desejamos? As pessoas mudam, os sentimentos mudam, as emoções embora fecundas em almas dotadas de buscas, as vezes se perdem em vontades inférteis. 2008 trouxe paixões e apagou laços desfeitos, iluminou romances e diluiu dramas na água turva de um rio chamado vida.

O ano que passou deixou seu rastro, quem sabe de destruição, quem sabe de conquistas nunca antes imaginadas. Foram caminhos desbravados e outros interditados pelas chuvas que vieram torrenciais. Tivemos derrotas, vitórias, frustrações, alegrias, tristezas. Fizemos pessoas sorrirem, chorarem, calarem diante de um vazio que deixamos ao dobrar para sempre uma esquina. Descobrimos que o mundo não é infinito, porque finito são os sonhos sem asas e as pessoas sem raízes. Alimentamos sentimentos bons que destituíram os de dores e o inverso que também destruiu lares. Nós nos despedimos de amigos e entes queridos que se foram, substituímos o velho pelo novo, o aconchego pelo desconhecido. Furamos montanhas para beber água, derrubamos muros para aceitar idéias diferentes das nossas, superamos dificuldades para aceitar o erro do próximo e os nossos em primazia. 2008 teve suas curiosidades como a queda de barreiras imaginárias, as primeiras rupturas em trajes intocáveis como os de Wall Street, a ascensão de uns e a queda de outros. Vimos a espada do tempo rasgar o preconceito do eleitorado para que o futuro não seja apenas mais um ponto de interrogação em nossas cabeças. 2008 foi um ano meticuloso e arriscamos nossa vida por alguém, por uma utopia quase infundada, por uma causa certamente perdida. Transformamos 2008 em uma novela de perdas e danos, especulamos catástrofes em audiências e discutimos o papel do jornalismo sujo e inverídico. Contudo, também descemos rua abaixo até à padaria no terceiro quarteirão para comprar pão numa manhã chuvosa, demos doce para ver uma criança tímida sorrir e flor para dizer a alguém o quanto a amamos. Seduzimos e fizemos amor naquele motelzinho perto de casa por escassez de dinheiro no fim do mês. Assistimos à televisão pra ver sobre a guerra e mudamos de canal pra ver dramas apenas dramatúrgicos e esquecer que dentro de cada ilusão existe também a cor fúnebre da tragédia. Por outro lado, fizemos traquinagens, contamos piada, vivenciamos situações engraçadas, xingamos o chefe baixinho e tiramos sarro dos companheiros de trabalho durante uma festa de fim de ano na empresa. É, fizemos coisas notáveis e muita tolice.

2008 foi interessantíssimo, poderia até afirmar que ele foi a nossa caixa de pandora, donde sobraram algumas migalhas de esperança. Foi mais um ano em que pessoas perderam a compostura, a virgindade, o pudor. Ganharam amigos, amores, inimigos, uma vizinha nova, um homem bonito na academia, um professor mais jovem (e casado), uma professora linda de matemática. São máculas e virtudes de horas e dias que pareciam intermináveis. E quando acabou, quando brindamos e bebemos a champanhe na hora dos fogos, ninguém (ou quase ninguém) parou para se perguntar: e daí que o ano acabou? Assim nos despedimos hipotéticos sem ao menos nos perguntarmos o porquê e para quê de nos submetermos a todo esse ritual esquisito dos humanos? Apenas fizemos promessas e cá estamos há sete dias caminhando em novas terras, de um tempo que agora se inicia, tomando engov e sal de frutas, tentando curar a ressaca que na cabeça parece oceânica. Se saberemos trilhar como sempre o fizemos em nova vida, isso é sim uma certeza para muitos. Mas será que neste ano vamos cumprir a maioria das nossas promessas para o outro ano? Essa é uma pergunta que poucos responderão de imediato.

Assim eu me despeço do ano que passou, agradecendo aos amigos, companheiros e pessoas que fizeram coisas acontecerem. Agora caminhamos sob uma nova cortina de fumaça a ser desbravada por ventos oníricos advindos de nossos sonhos. Um brinde a todos...