segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

NATAL: 

CARTA AO MEU BOM VELHINHO

Todo ano é sempre a mesma coisa: eu escrevo para o Papai Noel e começo minha ladainha dizendo que fui um bom menino durante o ano. Deus e o diabo sabem que estou mentindo descaradamente sem nem ficar vermelho. Esse é um ritual que me dou ao luxo de fazer todos os anos, nos últimos trinta anos. Nunca recebi nada, nem resposta, nem presente, nem mesmo uma banana como a que ganhamos em época de eleição. Contudo, este ano resolvi fazer diferente, começando por dizer a verdade e eis minha niilista missiva: 

Querido amigo Nicolau, confesso que fui um garoto ruim (péssimo) este ano. Em muitas ocasiões cortei fila no banco, buzinei no trânsito – sem necessidade –, recusei dar esmola aos necessitados, briguei sem motivo, fiz greve de carinho, ofendi pessoas que amo, bebi além da conta, fumei escondido no banheiro, continuei guardando revista erótica debaixo do colchão, falei mal do meu chefe pelas costas, sacaneei meus amigos do trabalho, fiz piada maldosa – mas que fique claro que eu me arrependi depois –, espiei a vizinha trocar de roupa inúmeras vezes pela manhã, enfim, não resisti à quase nenhuma tentação. Por esses e outros motivos decidi não tentar tapeá-lo – meu doce senil. Até porque, se perdi minhas vãs esperanças nos últimos natais, tenho certeza que a culpa não foi sua Papai Noel. Apenas minha, dos meus deliberados excessos e da minha egoísta vaidade.

Contudo, não vim aqui para me desafogar das mágoas debruçado sobre verdades tão resolutas ou me apetecer de novos desejos sob o afã de uma argumentação interesseira. Estive pensando apenas na extirpe de nossas muitas almas, nas tentativas infelizes e agourentas de merecer o melhor, mas sem qualquer esforço desmedido. Espero que o senhor, meu bom velhinho, compreenda que o meu quebra-cabeça – não aquele que pedi aos dez anos de idade – está incompleto e a epifânia natalina não depende só das minhas e das nossas ações, mas das tácitas intenções que ao longo do ano se perderam na mesquinhez do cotidiano. Fiquei um pouco frustrado meu caro, mas não pelas devolutas esperas dezembrinas e sim isto é mais que uma certeza pelas promessas que quebrei nos últimos trinta anos. Por isso, querido Papai Noel, justiça seja feita: desejo-te o natal mais feliz de todos os tempos, espero de coração que seu trabalho árduo seja fecundo. Este ano não precisa aparecer por aqui. Nesta felicíssima data eu não quero nada.

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