segunda-feira, 30 de abril de 2012

XEQUE-MATE!

Talvez eu esteja me enganando. Ou quem sabe tenha colocado na lata do lixo todo um tempo estimável do qual eu poderia ter construído um pensamento análogo à grande maioria das respostas que busquei para acalentar essa alma medíocre e duvidosa. Mas, ao contrário disso, este mesmo tempo valoroso se pauta e se perde numa explicação que talvez nem fosse necessária. 

Falar de amor como uma bula farmacêutica e se referir ao sexo como se fosse um produto enlatado e empilhado numa prateleira de supermercado é fácil. Facílimo. São valores diferentes e também tragicamente indistintos. Quando entramos num círculo vicioso e esse ciclo se torna um paradoxo, sempre dá merda. Sempre.

Explicar como fazer amor numa cama onde só se enxerga sêmen e clitóris, rascunhando, detalhando minuciosamente as picardias mais sórdidas da juventude é algo que beira o ridículo. Hoje as pessoas podem me rotular de qualquer coisa: perverso, altivo, maldoso, mesquinho, talentoso, sexólogo, poeta, sedutor ou nenhuma delas. 

O fato é que nesse momento pouco importa o que pensam de mim ou da maneira como procuro no sexo uma representação profícua e ao mesmo tempo libertária da hipocrisia de alguns ou tantos elementos que norteiam o medo por trás da nossa sociedade mentecapta. 

Façam suas apostas que até o fim dessas linhas muitos acharão o cúmulo a minha mania grosseira e tempestuosa de tocar num assunto tão delicado aos olhos dos ignóbeis e dos românticos. Contudo, podem escrever meu nome na lista dos criminosos passionais (nem ligo), só peço que moderem a relevância acusadora, afinal, felizmente - e sem exageros - ninguém morreu (nem morrerá) por aqui.

Acordei de súbito esta manhã, sobressaltado com o telefone berrando estridente na minha pobre cabeça. No primeiro "alô" uma voz feminina dispara a fatídica pergunta sobre uma recém-postagem publicada em meu blog:  "sua narrativa é uma crônica, um manifesto, um desabafo ou uma declaração afetiva"? Respondi sem hesitar: as quatro definições são apropriadas, passe bem. Desliguei e voltei a dormir.


------------- POSTAGEM ORIGINAL-------------

Seu corpo estava lá, deslumbrante e desnudo, no modo "stand by", esperando que eu a possuísse com o mesmo amor irrisório com que havíamos nos conhecido há poucos dias. Ela era a única tola, personagem burra daquele enredo patético. Mas o jogo da sedução é uma merda, porque sempre um dos lados confunde emoção com relação. E ambas estão ligadas por uma tênue linha que divide os verdadeiros amores das paixões falsas. 

*Vivian queria minha alma mais do que simplesmente um símbolo fálico em sua vida, ela almejava minha mente, meus sonhos, meus ideários. Até esperava que fôssemos amantes eternos, nascidos de um romance shakespeariano. Balela. Tudo bobagem. Para mim os órgãos genitais eram ícones isolados, objetos no processo reprodutivo dos Homens e além do mais eu nunca tinha conhecido ou havia experimentado o sabor dos dramas de uma realidade romanceada, eurocêntrica e egocêntrica (até rima!), eternizados para sempre entre os séculos da nossa história. Eu só conhecia a palavra "gozar". Em outros desdobramentos, sinônimo de prazer desmedido.

Na minha cabeça passava o trailer de um sexozinho de fim de noite. Uma boa transa de fim de semana. Mas como certas doçuras de pessoas como ela conseguem estragar finas teias de clímax, me desinteressei quase que irredutível e imediatamente. O que mais me causa o tédio é essa coisa de apaixonar-se perdidamente dentro de uma boate onde todos procuram a mesma coisa: sexo sem compromisso.

Nesse contexto de namoricos, de idas e vindas, eu me assemelho a uma rocha. Era óbvio que não estávamos na mesma sintonia, nem falando a mesma língua. E todos sabem que casais que vivem fora do ar, em geral, terminam em guerra como todas as outras relações sociais amalucadas. Estar ali, dançando, para mim era apenas desculpa para umas cervejas e uma noite de sexo indiscriminado. Esbarrei com ela, trocamos olhares profundos e incertos. Então veio a fusão entre o corpo e o desejo, engalfinhados numa ferocidade como a de Kali e Shiva. Quando a madrugada avançou nos entregamos à devassidão e fizemos amor. Amor? Não, isso com certeza não fizemos.

Vivian tinha um olhar de menina, um olhar de quem queria descobrir um mar de emoções. Era o famoso "dia seguinte". Ela não sabia que minha personalidade era um deserto árido naquele instante. Os telefonemas fora de hora, as carências afetivas, os choros no portão da minha casa, minha mãe querendo saber quem era a garota mais triste do mundo que me esperava pacientemente todas as tardes, escondida do outro lado da rua. Era entediante. 

Nossos encontros me davam sono. E como dispensar alguém tão emotiva sem a chatice do fim de uma relação que, diga-se de passagem, nem existia? Meus queridos amigos diziam que era amor. Mas eu sabia que no fundo, ela ainda carregava o complexo de electra (ou pré-edipo) e via em mim a figura paterna que foi ausente em sua infância. E olha que tínhamos idade para sermos irmãos. Somente irmãos. Talvez eu a visse desse jeito, como uma irmã chorona e birrenta. Eu sempre fui um pouco intolerante e turrão, não achava graça em quase nada. Vivia nos botecos enchendo a cara e me metendo em confusão. Nossos mundos eram flechas atiradas em direções opostas. Quem iria acreditar que daria certo? Todos a minha volta, sem exceção. Menos eu (é claro).

Nossas pessoalidades divergiam sempre. Foram inúmeras separações e brigas. A verdadeira guerra dos sexos. Meu pai se divertia com minha desastrosa, mas famigerada vida amorosa. De cara fechada e rústica, eu tinha certeza dos laços afetivos lacônicos. Tinha raiva de ter ido à boate naquele dia e ter ficado dançando como um bobo na frente daquela maluca de sapatilha vermelha e vestido florido. Mas ela era linda. Sempre foi. As pessoas me paravam na rua e diziam que eu tinha sorte e devia aproveitar com Vivian o que a vida estava oferecendo. Nem todos os casais são felizes. Eu queria mesmo era minha vida de solteiro fanfarrão de volta, minhas efemeridades. O sexo daquele dia foi incisivo e decisivo no que se refere a ter sempre a mesma companhia, um jeito único de deitarmos na cama de casal. Ela de conchinha e eu espaçoso feito uma mula. Mas e daí? Hoje faz quinze anos que estamos casados e temos filhos lindos. No fim desse jogo amoroso ela me venceu: um feliz xeque-mate!

*Nota: Vivian é uma personagem fictícia, mas que personifica laços que me uniram à minha atual esposa, uma pessoa real. Apenas não usei o nome dela por questões éticas e processuais. Agradeço a compreensão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Eliel!