quarta-feira, 6 de junho de 2012


ANA (SEUS LÁBIOS SÃO LABIRINTOS).








“Meu Deus!” Eu pensei quando despertei do sono profundo. Ela estava ali, simplesmente nua. Coloquei as mãos na cabeça e me sobreveio a mais triste indagação: “o que eu fiz?” Na boca o gosto forte de bebidas e cigarros. Na cabeça a fúria dolorosa de uma noitada de sexo, drogas e rock’n roll. Não é apenas um jargão, nem um clichê em desuso. Era a mais pura verdade, a mais vívida das perversões.


O ato estava consumado e tudo estaria bem depois de muita água e analgésico, não fosse pela realidade nua e crua que se apresentava. Ninguém sabia nossa história, se é que tínhamos alguma. Não sei dizer se ora éramos amigos, ora amantes, se nosso sangue era de irmãos ou de almas extremamente errantes. 


Eu não conseguia se quer olhar para ela, tão linda e desnudada e tão bucólica. Seria a paixão uma forma arrebatadora de pagar nossas iniqüidades ou nela protelar nossa redenção? O cheiro me dava náuseas e as marcas que deixamos em nossos corpos a grande repulsa. Tudo que vivemos numa noite era mais do que meras impressões. Afrontamos o sagrado e nos deleitamos do profano.


Corri para o banheiro e deixei que água escorresse por meu corpo. Eu queria lavá-lo, apagar o que de maléfico e malicioso nele ficou tatuado. A mente turva e corrompida não tinha como ser expurgada de seus terrores.


“Vem brincar com o papai”. Era o sussurro dele de volta a me assombrar. Mas ninguém mais me tocaria se eu não permitisse. E eu jamais colocaria numa bandeja de prata a juventude de quem quer que fosse, a inocência dos igualmente vulneráveis. Sentei no chão do banheiro e chorei. “Mamãe não está mais aqui”. Onde estará?


Respirei fundo e me levantei enfático. “Hoje não”. Desliguei o chuveiro e descalço tateei a parede procurando a toalha. Ela jamais me veria nu novamente. Nem nu, nem rijo, nem com qualquer vestígio de um desejo carnal. 


-- Ana! – chamei-a como o algoz.


Silêncio.


-- Ana!


Lancei-me quarto adentro numa busca feroz. A casa estava tão vazia quanto meu gene egoísta. A porta da rua – entreaberta – era um claro sinal de fuga. E ficou a sensação nítida de uma alma fugindo de si mesma. Do que fizemos. Dos nossos pecados e da nossa insensatez.


Dos meus pais a lembrança do enterro da própria mãe, do pai beberrão culpado de minha puerícia rasgada com a tênue gilete que cortava borboletas. Um prodígio vendido como boneco de porcelana. Nem a morte me queria, então matei o meu torturador e escondi-me durante anos na figura de um pai ausente. Hoje descobri que tinha descumprido a promessa de não ferir mais ninguém. 


Ana. Seus lábios são labirintos.



Um comentário:

Grace disse...

Labirintos. Sejam os lábios, sejam as emoções, sejam os sentimentos.
Labirintos, algo que da medo de entrar, e quando se entra, medo de continuar.
Queremos entrar, mas temos medo por não sabemos onde se encontra a saída, não sabemos nem mesmo se conseguiremos sair.
Labirintos. Um turbilhão de sensações que nem sempre sabemos como lidar, e quando não se sabe, nos perdemos lá dentro, e isso nos causa, mtas vezes, dor e sofrimento.
Labirinto, algo que fugimos, porém queremos.
Sem estar nele nos sentimos vazios, e quando estamos nos sentimos perdidos.
Vai entender!
Um labirinto pode significar tanta coisa, seja fora ou dentro dele, causa sentimentos, causa arrependimento!
Labirintos!!!