quarta-feira, 8 de abril de 2009

O Irrefutável Medo das Solidões


Eu senti medo, um medo sumário, corrosivo, deliberado, assumido. Mas aquele medo era ao contrário, estranho a uma maré em direção oposta e de certa forma, subjetivo. Tive medo quando acordei ao seu lado, vendo sua silhueta nua e a sonolência do breve momento em que comecei a me dar conta do que era o amor. E não era nada daquilo que eu pensava. A filosofia podia explicar qualquer coisa sobre os sentimentos mais fecundos que um homem pode sentir ao longo da sua vida infértil. A psique humana pode discursar sobre as violentas paixões da vida. Mas aquele instante era meu, só meu e de mais ninguém. Eu estava a sós com a minha alma e os meus receios.

Ela tinha os cabelos claros, não naturais. Olhos fundos, tristonhos, jovialidade abatida por motivos que já nem sei. A cabeça que repousava em meus ombros não queria apenas companhia, sexo, beijos, carícias. Ela desejava ser admirada, contemplada, salva por algum herói que a tirasse das ciladas mundanas. E eu estava ali perplexo, estático, inseguro, notadamente tocado por uma mulher linda que precisava de colo. O mundo desabou sobre mim, sobre um ser que achava que os amores eram presságios das tragédias. Eu sabia que sabor e dissabor, alegria e dor, coisas antagônicas andavam na mesma linha esperando pra se chocar em alguma oportunidade.

A sociedade é toda pautada nessas idiotices, insígnias e por isso impérios romperam com o seu tempo, a ordem cronológica da formação do mundo foi calculada pela ditadura das coisas, pelo declínio de nações, por erros de julgamento de nossos predecessores. O planeta é o filho pródigo de si mesmo, produtor de sua reprodução, evolução e destruição. E mesmo me achando o cara que sabia demais, que conseguia arquitetar fugas de lugares e situações inescapáveis era o momento patético em que eu estava abraçado a uma balzaquiana linda, cheia de tabus e anseios, completamente entregue ao que, para mim, antes faria definhar o mais impenetrável. Meu coração sempre fora inacessível e de repente eu estava fragilmente acorrentado a ele e aos seus cavalos selvagens. Aquela era uma prisão em que não haveria nenhuma saída estratégica.

Eu a amei desde então. Fizemos amor no segundo encontro e quebramos todos os paradigmas. Quando acordei, ali me senti só. Tive a sensação de que meus medos tinham voltado para me assombrar. Ela ainda dormia de bruços, estávamos nus, mergulhados no desconhecido e profundo mar de nossos espíritos. Daí, passei a imaginar se algum dia eu simplesmente acordasse, no meio da noite, durante uma tempestade e ao meu lado pairasse apenas o cheiro de alguém que já tinha partido. Ou se descobrisse que tudo não passou de um sonho e a realidade fosse mera crueza da solidão.

Peguei minhas roupas, um guardachuva e saí. Fui até a padaria, pedi um café e acendi um cigarro. Pedi alguns pães e no caminho de volta comprei uma rosa de um ambulante. Quando girei a chave da porta respirei fundo, coração acelerado. Senti o gosto do ar, das gotas que cintilavam do céu e beijavam minha boca, bebi sensações implacáveis e finalmente, com exímia coragem, entrei. Coloquei as chaves sobre a mesa junto com o pacote que carregava. Desabotoei a camisa e sacudi os ombros molhados. Preparei um chocolate quente e recheei o pão com iguarias naturais. Posicionei tudo metodicamente numa bandeja com iogurte e algumas frutas. Não importa o quão grosso e inseguro eu fosse, teria ao menos que ser digno, cavalheiro, educado. Contudo, não deu tempo nem de chegar à entrada do quarto.

Ela despediu-se, ao fim silencioso do estratagema. Estava arrumada, exuberante, decidida. Recusou minha intenção, esquivou-se da conversa, das perguntas, apenas saiu. Que me coloquem na lista dos chacais, mas naquela noite nos amamos fervorosos, equivocados, avassaladores. Amor de mais um final de semana, amor que se conta no relógio, amor que não se entende, apenas se ama na fúria de coisas que parecem nos impelir ao belo. Era um começo de semana torrencial em todos os sentidos possíveis imagináveis. Parei no farol. “Fofo” ela disse antes de sair. “Dane-se” eu pensei quando a porta se fechou. Todas as segundas feiras eram iguais há pelo menos uns quinze anos. Para mim tudo bem, o medo das solidões se dissipava. Eu já tinha me habituado com as inúmeras personalidades geniosas da minha esposa.

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