quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Julia... Você aceita se casar comigo?




-- Você tem cigarro?
-- Tenho sim. Tá na minha bolsa, o isqueiro também.

Julia não se importava com mais nada, aquele era um momento para extravasar. Estava no fim do semestre e no ano seguinte ninguém mais se veria, pois era também o fim do curso. Três anos de faculdade de sociologia, duas dependências em metodologia de pesquisa científica e estágio, inúmeras festas. Ela imaginava que tinham sido seus anos de libertação, fora dos seios dos pais ela transou, participou de orgias, arrumou namorado, traiu, foi traída, viajou por lugares desconhecidos, descobriu a maconha, o porre, as badaladas raves, os movimentos sociais, os motins contra a polícia e a repressão. E olha que ela saíra de casa com um sonho comum na cabeça: terminar sua tão sonhada universidade e ganhar o mundo, a fama entre os intelectuais, rios de dinheiro. Nada disso. O mundo era cruel e depois de três anos ela estava pronta pra reagir, mostrar que seu ídolo não estava morto. Karl Marx. Um dia, sem querer, ao assistir o filme “Olga” na sala de aula Julia deixou escapar:

-- Eu queria ter sido ela.

Todos riram. Aquelas palavras pareciam ter saído de uma criança que assistia um desenho de super herói. Seria uma lembrança e tanto. Ela que achava que o ápice da sua juventude fora o colégio, as brincadeiras, os meninos que ficavam colocando espelhinho grudado no sapato pra ver a calcinha das meninas que iam de saia pra escola. Não, aquilo era muito mais, Julia tinha vivido uma história realmente intensa, tinha desnudado o véu da mentira sobre o sexo com amor. Não havia nada além e aquém, era factual sentir prazer e depois esquecer.


-- Toma. - ela lhe entregara o maço e o isqueiro.
-- Obrigado Ju. – agradeceu Rick, seu colega de sala.

Foram amigos durante muito tempo. Jamais se envolveram, pois ele era chato, metódico, centrado naquilo que estava estudando. Quase não participava das festas e das viagens. Rick era da mansa paz, enquanto Julia preferia a paz armada. Naquela sala a hipocrisia era tão escancarada que parecia uma piada de mau gosto. Todos falavam mal de Rick, mas pediam cola nas semanas de prova. De quando em quando - para desencargo de consciência - ela o defendia em vão em meio às piadas maldosas. E ele, contudo, passava as respostas, socializava, suava frio, no fim fazia a prova de quase todo mundo. Julia sentia pena, mas se deixava levar pela maré de convites infaustos e no último ano esqueceu-o completamente. Lembrava dele quando precisava entregar trabalho atrasado e Rick nunca se recusava, nem pestanejava, aliás, nunca deu um pio.

Na primeira orgia Julia se sentiu desconfortável. No apartamento de um dos meninos, que ela nunca sabia quem era, eles destinavam um dos quartos para ambientar o inferninho onde os casais transavam. Julia entrou primeiro, não sabia quantos homens haveriam ali – nem quem eram – apenas tateou a parede e sentou-se numa poltrona. Uma voz feminina de fora ordenou que ela tirasse a roupa – em cinco minutos. Entraram em seguida três dos caras da sala que organizaram a surubada, ela os tocou e sentiu que estavam nus, rijos, tomados de tesão. Não houve tempo para recusa, Julia começou a chupar um deles enquanto os outros dois chupavam seus peitos e acariciavam sua boceta. Ela nunca tinha chupado ninguém, se esforçava, lambia, o gosto parecia ruim talvez pela situação e pelo cheiro de muitas porras diferentes naquele quarto. Dava náuseas, Julia queria parar, tentou afastar um que lhe estocava com força, mas era inútil. Só deu tempo de escapulir quando dois deles haviam gozado. Ela saiu correndo e foi pra casa. Tomou um banho enquanto se esfregava querendo trazer de volta a menina recatada e birrenta que fora antes. Tarde demais. Seu nome rolava na sala de aula, todos queriam comer a ninfetinha que fazia oral como ninguém. Dali em diante, pouco importava o que sentia, sexo era sexo, bom sexo, muito pinto, prazer, orgasmo, gozo e falta de doçura. Julia era uma puta e das melhores, tinha perdido a noção do que era pudor.

Rick continuava com sua vida estranha e medíocre. Enquanto Julia se embolava no palco perverso da libertinagem com o resto do mundo. Risos por fora e angústias por dentro. Durante os três anos coisas aconteciam, merdas sempre aconteciam, como o dia em que ao ir à casa de Rick, esperançosa de que ele a recolocasse no caminho certo ou lhe desse uma luz de clarividência sobre suas decisões, revelou a Julia um homem sádico, em que o pai era dono de bordel e o filho seria o grande sucessor que explorava mulheres sem sorte.

-- Trabalhe pra mim.
-- Nunca, nunca e nunca! Seu pulha!

Os dois ficaram um semestre sem se falar. Mas a culpa não era de Rick, era dela mesma, afinal ninguém pode ter uma impressão sobre o que somos sem antes observar o que fazemos. A sociedade é assim, julga pelo que se faz e não pelo que se é. E cá entre nós amigos, Julia sabia fazer muito bem e fazia bem gostoso.

Na penúltima semana de aula Julia estava quase em prantos acusando um e outro pelas suas notas baixas. O calor das últimas avaliações e o fim do curso era tão esperado que não houve nenhuma comoção por parte dos colegas ante o desespero da pobre coitada. Seu último recurso foi apelar para o tempo que lhe restava.

Naquela sexta-feira que precedia as provas da semana seguinte, também véspera da entrada do mês gelado de julho – a estiagem chegara dias antes do normal – Julia estava enfurnada na biblioteca com uma pilha de livros na mesa e seu casaco pendurado na cadeira.

-- Oi Ju, não vai com a gente pro bar?
-- Hoje não dá, tenho que estudar.
-- Você estudando? Que piada! – alguns riram alto chamando atenção.
-- Eu não posso ficar em nenhuma matéria porque senão reprovo por causa das depês que tenho do semestre passado.
-- Má que zica hein!
-- Pois é. Agora dá licença Amanda.
-- Porque você não pede pro Rick fazer seus trabalhos? Ele sempre fez ué!
-- Não acho justo, eu quero passar sozinha nesse semestre, mereço isso pelo menos no último do curso né?
-- Acho que você anda fumando maconha estragada.

Amanda saiu rindo com os outros colegas. Julia sabia que era mentira, ela não queria passar sozinha, só não queria que os outros soubessem que estava brigada com Rick e que fora literalmente chamada de prostituta por ele. Era questão de honra.

-- Oi. – alguém se aproximou.
-- Olha aqui, eu tô estudando não tá vendo? – Julia respondeu grosseiramente e depois ficou arrependida por ver que era Rick.
-- Não quero atrapalhar, só vim te entregar isso. – ele colocou educadamente na mesa um pacote volumoso.
-- E eu posso saber o que é “isso”?
-- São todos os trabalhos desse semestre. Você só terá que digitar e...
-- Não quero, pode levar de volta. – disse ela afastando o pacote.
-- Por que não?
-- Eu quero passar nas provas sozinha, sem ajuda de ninguém.
-- Não estou te ajudando. Esses trabalhos são meus, são rascunhos, pode usar. Se você ficar de depê de novo eu também fico. Quero fazer isso... Preciso fazer...
-- Não precisa não. Se tu acha que pode se redimir por causa desses...

Rick beijou-a. Invadiu sua boca com uma língua quente, macia, voraz, poderosa. Era como se ela pudesse sentir sua alma e seu corpo possuindo-a. Foi uma acontecimento estranho e mágico. Um presente divino. Ele saiu correndo da biblioteca e sumiu pelos corredores. Julia estava tão horrorizada e espantada com a coragem dele que apenas passou a mão na boca e fechou os olhos. Depois ela sorriu e começou a ler os papéis rasurados da encomenda.

Na semana seguinte as provas foram as mais difíceis, mas Julia estava animada, contente, preparada pro que desse e viesse. Rick passou a semana inteira calado, terminava sua prova e saía cada vez mais rápido, mais fugaz, como se a polícia estivesse no seu encalço. Julia não entendia. Queria agradecer-lhe, abraçar aquele homem tão especial, pedir que a beijasse daquele jeito novamente. E até o fim da semana foi assim, concentração, expiação e fuga.

No último dia o frio arrebatou todas as salas mal planejadas da instituição. Ventava como se o mundo fosse cair. Era o dia de apresentação dos trabalhos de conclusão, das monografias. O grupo de Julia foi o penúltimo. Rick não tinha comparecido, sua cadeira estava vazia e misteriosa, todos comentavam que a ausência poderia lhe custar um semestre. Ninguém do grupo dele estava presente. Se aquilo fosse um capricho, era burrice demais.

-- Bom... O grupo dez vai ficar sem nota...

Antes que o professor terminasse a frase, Rick entrou com o resto dos integrantes e postou-se diante da lousa olhando para os colegas atônitos. O trabalho encadernado repousava na mesa de Genival, o orientador da disciplina. A argumentação do grupo foi uma das mais longas com expressivos discursos, explicações, gráficos e Rick finalizou com a frase de um filósofo.

-- E eu aprendi que o amor e a caridade são as fontes da juventude, mesmo que nosso corpo envelheça, nossa alma estará sempre na sua mais bela infância...
-- E você não acha que o amor é uma fraqueza? Inúmeros impérios caíram por conta das armadilhas do amor. A própria história e a literatura nos mostra o quão ele pode ser nocivo. Você não acha Ricardo?
-- Não. Aqui eu me pego a dois pensadores pra terminar nossa explanação. O primeiro é Pitágoras que disse uma vez que devemos purificar nossos corações antes de permitir que o amor entre, pois até mesmo o mel mais doce se amarga e azeda quando colocado num recipiente sujo. O amor, a fraternidade, a caridade devem mover o homem, a sociedade e não apenas a mesquinhez de passar por cima de inocentes por causa de um ideal, mesmo o mais nobre deles. Friedrich Nietzsche disse uma vez que aquilo que fazemos por amor, pelo amor sincero em demasia, está acima do bem e do mal.

-- Hum... Muito bem... Parabéns, vocês fizeram um ótimo trabalho.

Rick olhou para Julia e abaixou a cabeça. Mas dessa vez ele esboçava um sorriso quase radiante.

Na cama ela chupava-o como nunca. Não era apenas por ser uma profissional. Do ponto de vista prático estavam fazendo sexo, se comendo, colocando todos os desejos para fora e isso é normal, essas coisas não mudam. Poderia ser qualquer um, qualquer casal, ela poderia estar transando com os mesmos homens que lhe abriram um caminho estranho e solitário de prazer sem apegos – e faria o mesmo sexo bom que sabia fazer – mas decidira transar com Rick e aí não estamos mais falando do ponto de vista prático, de coisas que não mudam. É sobre um cara que fez diferença, que mudou nela – Julia – a maneira de encarar o mundo, da forma como se pode e se deve enxergar as coisas, como elas realmente funcionam. Ricardo chupava aquela boceta com vontade, babava, lambia, mordiscava. Tomava os seios em sua boca e apertava os bicos, passeava com sua língua envolta deles. Julia dava, masturbava o membro enorme dele, engolia-o fogosa, rebolava cavalgando e gozou tantas vezes que perdera as contas. Caíram exaustos enquanto o espelho do teto refletia os dois corpos abraçados, nus, silenciosos, suados, libertos.

-- Não sabia que você fumava Ricardo.
-- Não fumo, mas hoje eu decidi comemorar de verdade.
-- Você é tão esquisito, mas eu gosto do seu jeito.
-- Julia... Você aceita se casar comigo?
-- Sim! Sim meu amor! Eu aceito e quero muito, muito, muito ser a sua esposa! Agora cala a boca e me beija...

Casaram-se naquele mesmo ano, uma semana antes do natal.

Um comentário:

Wagner disse...

http://www3.fe.usp.br/pgrad/selecao/2009/ME.pdf