segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Eu sei... [Conto Romântico] [Com Música]

***Caros amigos e leitores, resolvi inovar este ano e decididamente coloquei uma trilha sonora no final do texto. Os recursos do blogspot não colaboraram dessa vez e por isso postarei primeiro o link do som e depois a letra pra quem quiser acompanhar mais sentimentalmente o desfecho. Lembrando que é só um teaser, quem tiver idéia melhor por favor me avise. Espero sinceramente que vocês gostem da inovação e que seja "inspirativa" (puxa, a variação dessa palavra existe? rsrsrsrs). Um grande abraço a todos.***




Eu sei, tudo pode acontecer
Eu sei, nosso amor não vai morrer
Vou pedir aos céus você aqui comigo
Vou jogar no mar flores pra te encontrar
Não sei porque você disse adeus
Guardei o beijo que você me deu
Vou pedir... Aos céus... Você aqui comigo
("Papas da Língua - Eu sei")

Eu sabia que era a decisão errada. Que já havia tomado muitas decisões erradas na minha vida. Sempre fui errante, um pássaro que voa na direção oposta do vento. Nunca admiti estar caminhando pela vereda que leva ao precipício, ao princípio de uma mágoa que permaneceria nos arquivos do coração.

Depois de quatro anos... Era o meu primeiro final de semana sem sua companhia, seus carinhos, suas ligações noturnas. Senso, razão, causa e consequência, premissas que poderiam ter evitado tantos equívocos.

Guardei as fotos dela e a última carta de amor, quase irresponsável, quase irresoluta. Deise era uma mulher fantástica, sempre foi. Mas ela esperava de mim um grande homem, que lutasse por ela, que admitisse ter cometido um erro, que fosse verdadeiramente mais humano e mais diferente dos outros homens que passaram em sua vida. E não era dizer simplesmente te amo, nem levar café da manhã na cama. O amor tinha que ser algo intenso, forte, saboroso, onde existisse saudade, carinho, medo, compreensão, segurança. Ir ao cinema, jantar fora, viajar, tudo isso é ótimo e ao mesmo tempo descartável. Não fazia sentido viver uma relação em que os universos pareciam sempre desconectados.

Deise estava apaixonada por outro, mesmo sabendo que eu ainda era louco por ela. O “outro” não só mandava flores, mas sabia ser consolador, estar presente, dizer quase tudo na hora certa, viver a vida dela e ela a dele. Cedo ou tarde Deise perceberia que o seu mundo estaria arraigado a outro, talvez melhor, talvez mais interessante, quem sabe um cotidiano cheio de magia e cumplicidade. Essa era a mais dura verdade sobre eu e ela. Não estávamos na mesma sintonia. E eu sabia disso, desde quando tudo começou a ruir. Não cabe a mim contar nossa história desde o começo, ou os recomeços, os cansaços, mas somente o fim. Aquele do qual jamais se espera. Daquele que dói demais para ser suportado. Existem relacionamentos que acontecem por um processo de osmose, embora o nosso caso tenha sido o contrário, pois foi assim dessa forma que rompemos.

-- Isso amor, isso... Hummm... Assim mesmo, adoro você, adoroooo!
-- Mexe gostoso vai, isso, mexe, morde, safadinha... Hummmm...

Não sei qual mentira existiu na última transa. Meu orgasmo foi intenso, de verdade, sem eufemismos baratos. Talvez o ápice tenha sido junto, os sussurros, os gritos, o tesão. Só que nada disso foi real, certamente que não. Havia uma grande farsa acontecendo ali. Eu não a sentia, era uma vibração diferente da minha, um olhar frio desejando que terminasse logo aquele constrangimento. Preferi acreditar que meu corpo fora apenas fonte de um prazer ilimitado que ela buscava em outro homem. Um desejo reprimido por sucessões de catástrofes duradouras.

"Vamos jantar fora hoje?"
"Não."
"Por que não?"
"Simplesmente porque eu não quero."
"O que eu te fiz?"
"Nada. Precisamos conversar."

Foi a conversa mais esquisita e mais longa que eu já tive com alguém. Deise nem mesmo me deixou vê-la se trocar, tomar banho, ficar nua diante de mim. Eu me sentia um completo estranho procurando minhas roupas pra ir definitivamente embora daquele destino. Nem minhas ligações ela atendeu mais nas semanas seguintes.

A saudade apertava, doía, machucava como uma faca enfiada nas entranhas. No serviço minha cabeça era um turbilhão, Deise povoava minha vida, minha fantasia, me assombrava no espelho do banheiro quando eu ia lavar o rosto. Ninguém sabia da angústia que dissecava meu coração sofrido. Eu dizia que as olheiras (de choro) eram de noites mal dormidas. Os meses seguiam-se furtivos e implacáveis e eu buscava naquelas madrugadas de insônia, nas bebidas, na cópula, na maconha, no calor de outrem, a cura que não vinha.

-- Oi Ana.
-- Que houve Carlos? Você anda sumido.
-- Muito trabalho, pressão dos chefes, faculdade...
-- Não mente pra mim. O que foi que aconteceu? De verdade?
-- Você não ia querer ouvir.
-- E por que não?
-- É problema meu sabe...
-- Carlos, Carlos, relaxa meu! Problema seu é problema nosso, dos teus amigos também.

Segurei a lágrima.

-- Eu fiquei sabendo da Deise.
-- Ficou?
-- É encontrei ela no shopping e ela me disse.
-- Ah tá.
-- Ela perguntou de você.
-- Perguntou?
-- Sim. Disse que precisava te pedir um cd e uns livros dela que estava com você.
-- Você veio a mando dela?
-- Não. Ela não manda em mim, você sabe. Vim por você. Eu sei o quanto você deve estar magoado e triste, ela perdeu um grande homem. Mas ninguém manda no coração de ninguém né? Se ela não te amava mais, tinha que procurar outro caminho... Aceite isso meu amigo, essas coisas acontecem com mais frequência do que a gente imagina.
-- Ana, o que você vai fazer agora?
-- Acho que nada, por quê?
-- Eu quero sair, se eu ficar em casa acabo morrendo de tédio.
-- Legal. Mas eu preciso ir até em casa tomar um banho, estou horrível.
-- A gente se encontra onde?
-- Passa no meu cafofo pra gente ir junto. Tenho um presentinho pra você.
-- Beleza.

Por um instante senti uma pitada de alegria. Um sentimento jocoso que há tempos não me perseguia. Subi para o quarto e abri o guarda-roupas, mapeei o que pude, minhas camisas, minhas calças, meus sapatos. Era estranho. Eu não ia paquerar e mesmo assim estava tentando achar um estilo que combinasse, que formasse par, sem ser tão chamativo, até bem discreto.

Escolhi um jeans, uma camisa pólo e um sapatênis. Era um traje bem informal, mas cairia muito bem pra ocasião. Tomei um banho longo, demorado, enlouquecido, chorei um pouco, lavei meu rosto e saí descalço. Liguei o som baixinho e sentei na cama. Peguei meu celular e busquei o nome "Deise", queria ligar pra ela e dizer oi, dizer para onde ia, jogar conversa fora e uma indireta de que queria vê-la, de que ainda a amava muito.

O frio apertou, a toalha molhada dava uma sensação térmica mais gelada que de costume. Deitei na cama e fitei o teto. Fechei o flip e segurei um pranto que me tomaria insidioso. Busquei novas forças, abri novamente meu guarda-roupas e peguei um perfume: Diavòlo do Antonio Banderas. Depois de me trajar, estava bem, perfumado, pronto pra fugir porta afora de uma erosão irreversível da alma.

-- Nossa, Carlos! Você está um gatão.
-- Obrigado Ana. Você é a mulher mais linda dessa noite.

Ela riu. Não menti. Ana estava linda como nunca.

-- E a minha surpresa?
-- Ali em cima da pia.
-- Nossa! O que é isso?
-- Não pergunta, só bebe.

Respirei fundo como se fosse mergulhar no leito de um rio. Tapei o nariz e segui em frente.

-- Satisfeita agora? - eu disse depois de matar o drinque de uma vez.
-- É uma versão sintética do LSD misturada com pinga de alambique.
-- Porra, isso faz mal!
-- Desencana... E não vicia não, fica de boa.

Duas horas depois eu voltava do encontro com Deus. Não revelaria a ninguém o que vi, nem o que ouvi. Ana gargalhava enquanto tentava dizer alguma coisa sobre minha viagem. Não sei o que era, mas Deus falou comigo e me deu um sermão numa colina repleta de animais estranhos. Falou sobre o fim da vida e das coisas como as conhecemos. Coisa de nóia? Não sei, pra mim foi surreal e vívido. A noite voava feita uma águia que mergulha veloz atrás de sua presa. Ao me dar conta disso saí de cima de Ana e levantei o zíper da calça.

Era quase dez horas da noite e estávamos numa lotação sentido centro de São Paulo. Eu gostava dos bares da região de Moema e do Bexiga. Ainda tínhamos que pegar trem. Era disso que minhas noites estavam precisando, escapadas sem rumo e sem tempo, apenas contemplação da mais infinita leveza do ser. Ana era uma menina simples, não se importava em sair de ônibus, de viver qualquer loucura, seu combustível da vida era um violão, uma vontade no coração e o pé na estrada. Mulher guerreira que saira de um casamento falido, recheado de traições, tristezas, maldades, sofrimento. Eu e Ana éramos poetas da rua, da boemia, sempre fomos, em suma, sofistas.

Entramos num bar que não cobrava a entrada. A grana estava curta e queríamos diversão.

-- Porra, tá lotado hoje!
-- Relaxa Carlos, vamos curtir.
-- É, vou tentar...
-- Olha, tem uma mesa ali... Vem...

Ana era um espetáculo, cheia de sagacidade. Sentamos perto de um homem de meia idade que tocava músicas tristes. De vez em quando ele parava pra fumar um cigarro e dar um gole no que parecia ser uma alta dosagem de vodka pura e sem gelo.

-- Então... – Ana segurou em minhas mãos. – quer me contar o que está sentindo?
-- Muita tristeza. Eu a amava muito...
-- Amava?
-- Amo muito. A Deise era tudo pra mim...
-- Era?
-- Caramba Ana! Você vai ficar me questionando toda hora?
-- Desculpa Carlos... Eu só queria... Ah deixa pra lá!
-- Meu anjo...
-- Esquece. - ela esquivou-se de um beijo.

Ana ficou chateada com a bronca. E não era pra menos, convidei-a para sairmos, conversar, beber, curtir e estava aporrinhando a noite com ignorâncias e pesares. Ela, afinal, não tinha culpa dos meus problemas. Fiquei com remorso, me desculpei, mas nada adiantou. O silêncio durou longos minutos. A noite estava perdida. Sem choro nem vela.

-- Eu quero ir embora.
-- Eu também. – disse ela.
-- Te deixo em casa e depois vou.
-- Não. Vamos prum motelzinho, você sabe o que fazer.
-- Tá. Mas, vamos entrar a pé?
-- E daí?
-- Ok. No problem.

Na saída do bar esbarrei com uma mulher que vinha na multidão segurando duas latas de cerveja e me perdi de Ana. Olhei para trás para dizer algo do tipo “foi mal” e surpreendi-me ao ver que a mulher era Deise. Fiquei desconcertado.

-- Carlos? Que faz aqui?
-- Vim tomar cerveja com uns amigos. E você?
-- Bem... Eu vim curtir também... Esquecer os problemas, bem, enfim...
-- Veio sozinha?
-- Vamos Deise, achei um lugar pra gente sentar meu amor. – disse um cara, saído sei lá de onde, que a puxou pelo braço e deu-lhe um longo selinho olhando-me fundo nos olhos.

Qualquer otário perceberia a provocação. E eu, mais otário ainda, fiquei entre fingir e ignorar. Embora a vontade de vociferar “babaca” quase me arrebatou, foi a indulgência sobre a cólera que tão somente faiscou dentro de mim sem causar explosão e danos maiores. Daí, sob uma clarividência divina, mantive o silêncio e a diligência.

-- Tchau. – aquele adeus foi o ponto final entre nós, proferido de uma boca - desvencilhada do supetão - que não me pertencia mais.
-- Oi Carlos, achei que tinha perdido você. – Ana segurou-me pela mão. – Oi Deise. Vamos meu lindo, quero chegar logo ao motel. – ela completou e piscou para minha ex-namorada ao passar entre os dois novos pombinhos.
-- Sua louca! - não me contive depois.
-- Não me agradeça.

Tudo foi tão rápido. Mas na minha cabeça parecia em câmera lenta. Ana estava inflexível, quieta, pensativa, olhando pela janela do quarto a cidade escura. Estávamos na suíte presidencial. Eu estava mergulhado na hidromassagem, de fato perturbado com o reencontro. Talvez nem conseguisse fazer mais nada com Ana, nem com seu corpo, menos ainda com seus sentimentos.
Realmente minha alma, meu ego não estava preparado pra ver o grande amor da minha vida nos braços de outro alguém. Ana era coadjuvante no teatro dramático da minha vida, peça importante que compunha meus elencos.

Naquele quarto luxuoso fumamos maconha, cigarros caros, bebemos uísque importado, fizemos sexo selvagem, animalescos, tudo com profundo desamor. Como pagamos aquelas devassidões? Com o cartão de crédito que Ana roubou do cara que estava com Deise.
Numa manhã chuvosa, guardei meu único retrato com a personificação da desilusão - que tinha nome - numa caixa de papelão, junto com o perfume que tinha comprado para Deise no dia em que, surpreso, recebi de volta nossas alianças de compromisso. Levei para o lixo, do lado de fora da casa, não apenas um resquício qualquer a ser deletado, mas as grandes memórias daquilo que fomos (eu e ela). Era a foto do último verão em que estivemos juntos, sorrindo, curtindo na praia um amor que parecia eterno.

Na escrivaninha ao lado da cama, repousava Ana, terna e congelada numa mágica pictória incrivelmente colorida, com as cores que eu nunca havia me dado conta. Eram borrões alegres de um sorriso verdadeiro que conheci no último ano do colégio. Liguei o rádio e ouvi uma linda e triste canção - "eu sei" -, até adormecer por completo, na última lembrança do cheiro que deixei morrer no ralo do quintal.

Dias depois eu havia pedido demissão do emprego, trancado as matrículas dos cursos de verão e saído de casa sem explicações. Estava decidido a ir além dos meus limites, viver e arrancar de dentro de mim todos os meus temores.

-- Sua mochila tá pronta? - perguntou-me Ana por telefone.
-- Claro. Não vou voltar atrás.
-- Só o básico?
-- Só o básico.
-- Você é perfeito meu amor... Perfeito!

Embarcamos para algum lugar da América Latina, sem rumo, sem destino e sem dinheiro algum. Apenas um violão, um pouco de haxixe, muita folha de coca e uma idéia na cabeça. Mas essa é uma outra história.


Link da trilha sonora: http://br.youtube.com/watch?v=AKEoT7NQNiU




Canção: Eu sei.
Grupo: Papas da Língua.


Eu sei!
Tudo pode acontecer
Eu sei!
Nosso amor não vai morrer
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores prá te encontrar...
Não sei...
Por que você disse adeus

Guardei!
O beijo que você me deu
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores para te encontrar...

Hey, Yei...
You say good-bye
And I say hello
You say good-bye
And I say hello
Oh! Oh! Uh!
Yeah! Yeah! Yeah! Yeah!
Hey! Yeah! Yeah! Yeah!
Yeah! Yeah! Yeah! Yeah!...

Não sei!
Por que você disse adeus
Guardei!
O beijo que você me deu
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores prá te encontrar...

Yeah! Yeah!
You say good bye
And I say hello
You say good bye
And I say hello...

Posted By

Arquiduque .

2 comentários:

euber disse...

Cara, tu escreve muito bem. Parabéns pelo blog.

As histórias surgem de onde?

Vlw, abraço.

Izabel Luna disse...

Eliel....

Muito bom dia !!!!Bom dia mesmo, principalmente após ler e ouvir( a música: Eu sei ) seu último conto. Sou professora de Português e como estamos trabalhando contos, uma aluna indicou-me este seu.Ao lê-lo...viajei no tempo e realmente não se esquece quem foi importante em nossas vidas, mesmo com as decepções vividas.

Perfeito seu conto!!!!!

Parabéns!!!!!!

Izabel Luna